quarta-feira, 19 de março de 2025

Via da Prata #6, O DIA EM QUE TIVE DE CORRER ATRÁS DA POLÍCIA



A tempestade chegou por cá em forma de vento forte. Uau, de manhã foi penar até a linda Plasensia... Vou adaptar uma vela à bicicleta, se há o windsurf também pode haver o windbike...
Plasensia merece um dia inteiro de visita, incluindo guiada, é uma maravilha. Partilho várias fotos, desculpem não legendar...
Hoje tive uma bela surpresa, está provado que melhor do que o Google Maps é o People Maps. Vai daí o senhor Vítor foi perguntar a dois polícias qual a melhor forma de sair da cidade para apanhar o Caminho de Santiago... E o que aconteceu?
Os polícias disseram:
- Não se meta na montanha está impraticável para bicicleta, nem pela estrada... Fiquei em suspense...
- Vá pela via verde!
- O que é isso da via verde (não deveria ser portagem de autopista)?
- É a antiga linha de comboio, transformada em ciclovia. Você vai por tal, e tal, corta à esquerda tal, à direita tal e encontra-a...
- Pois, disse, eu não sei nem mais menos como lá chegar... E vai daí, diz um polícia:
- Venha atrás do nosso carro, vamos lá levá-lo...

 
Aí, vou eu, pedalando qual Joaquim Agostinho, deitando a língua de fora, o coração batendo a 200, subir, descer, rotundas, esquerda, direita, sobe, desce e (pim) 5 km depois o carro da polícia pára e diz: é aqui!
Eu só via um trilho com água, umas descidas (que fiz à mão para não arriscar partir o nariz)... Você desce, na ponte corta à direita e é sempre a andar, pode ir até Salamanca... UAU...
Agradeci duas vezes aos simpáticos polícias, pedi uma selfie e meti-me a caminho...
O cansaço de ontem, o vento, e a previsão de agravamento do tempo fez-me modificar os planos: a prudência aconselha cuidado e vou fazer só por estrada e onde der para ir deu...
Amanhã há mais...

Vítor Franco

terça-feira, 18 de março de 2025

Via da Prata #5


Cáceres a Galisteu, 90kms. Etapa bonita, apesar de ter de fugir do Caminho natural e quase sempre seguir por estrada.
A manhã começou chuvosa e fria, vai daí o senhor Vítor vestir 2 tshirts, camisola de ciclismo, corta vento e impermeável... Pois, a descer está bem, com as subidas o calor não se podia, toca a despir. A chuva voltava e toca a vestir o impermeável... A azáfama durou até às 14h onde parei para comer um belíssimo prato de lentilhas. Vocês sabem que as lentilhas dão força não é?
Mando um sms ao S. Pedro e aviso-o de que se não pára a chuva o despeço, obedeceu claro!
Pois, o Vítor entusiasmou-se e decide não ficar em Grimaldo... Maps a funcionar para modo bicicleta, tudo bem, só que este mandou-me por um caminho que, às tantas, estava fechado por um portão. Pois, o simpático dono colocou o número de telemóvel para se pedir para passar, pois, mas nunca atendeu... Pois, aqui o rapaz volta para trás, toma a estrada para o destino mas com o Maps em modo carro... Bem, acabei por fazer mais kms que o previsto, mas cheguei antes de noite.

Vítor Franco

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Dia Internacional da Paz, 21 de setembro.

“92 países estão envolvidos em conflitos fora das suas fronteiras, o maior número desde a criação do IGP. E, segundo a ONU, há mais de dois mil milhões de pessoas cujas vidas são, hoje, afetadas por conflitos e guerras, havendo quase 120 milhões de deslocados devido a guerras, perseguições e outras formas de violência.” Jornal Público 19/09/2024.

“Vemos, ouvimos e lemos/ Não podemos ignorar/ Vemos, ouvimos e lemos/ Não podemos ignorar”. Esta é a primeira estrofe do poema “Cantata de paz”, de Sophia de Mello Breyner Andresen, musicado por Francisco Fanhais. É uma canção poderosa, de uma mensagem e de uma voz que nos devia revolver as entranhas do pensamento e indagar sobre o que a humanidade anda a fazer.

Vale a pena pensar, ao menos este dia que foi declarado pela ONU em 30 de novembro de 1981. O dia que se dedica à paz mundial acontece quando o mundo está envolvido na maior violência pós-segunda guerra mundial.

A jornalista do Público, Carla Ribeiro, no seu interessante artigo, entrevista o escritor José Luís Peixoto que – muito acertadamente – diz que o “conflito torna-se tão normal nas nossas vidas que dá a sensação de que estamos todos um bocadinho adormecidos”. “É o resultado, diz, de uma certa desumanização, também alimentada pela banalização dos temas e da forma como os tratamos”. Em sequência, Carla Ribeiro convoca uma frase do raper Mário Cotrim, ProfJam, que “vê nessa desumanização o reflexo da paz orwelliana, onde a guerra é a paz e que a paz se faz pela guerra”.

A violência assume várias formas, como as de comércio, de ideologia e alienação, de domínio político e militar. A violência entra-nos todos os dias pelos noticiários e fez de vários canais TV, como a CMTV e vários canais crime, lugares de conquistas de audiências. Milhões de pessoas dedicam horas de cada um dos seus dias a ver e ouvir violência, e gostam. A TV e os jogos na net são responsáveis, penso eu, pela exacerbada proliferação de atos violentos inacreditáveis feitos por crianças em escolas. Agora, até em Portugal.

É o efeito da popularização da violência sobre as crianças que me preocupa mais. As crianças são as que sofrem as mais duras consequências da guerra e da violência. Há meninos, que por vezes são obrigados a ser homens armados, meninos-soldados, meninos sem meninice, até meninos forçados a ter ódio!

As crianças estão na “linha da frente” dos refugiados, na fome, na privação da escola, na saúde ou no afeto. Há um mês li um artigo [veja aqui] sobre o menino Khalil num sítio da BBC. O menino sírio, que cruzou cinco países da Europa a pé, ”tinha apenas seis anos quando deixou a Síria, palco de confrontos diários, no auge de uma guerra civil”. Como o menino Khalil, o menino Stefan que fugiu da morte do nazismo e que no Museu Aristides de Sousa Mendes “fala” [agora já um velhinho] com outro menino refugiado de uma das guerras contemporâneas. Antes, como na fuga das 10 000 crianças refugiadas judias de comboio no kindertransport, agora como as crianças que fogem de barco atravessando o Mediterrâneo e quantas as que morrem afogadas.

Talvez o dia 21 motive algo de positivo aos vários governantes de vários países da Europa que estão a expulsar os refugiados que cá chegam, fugidos da fome e da guerra, devolvendo-os ao mar, à morte, ou às ditaduras a quem os países europeus pagaram para lá expulsar os seres humanos refugiados. 
Vítor Franco

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

11 de setembro, de más memórias! (Texto e podcast)

New York City Ground Zero. Foto Depositphotos

Quando o calendário marca o dia a nossa memória recua no baú do tempo e traz-nos as brutais e impactantes imagens dos ataques terroristas nos EUA em 2001. As terríveis imagens dos aviões a embater contra as torres gémeas provocaram uma comoção global, 3 mil mortos e centenas de feridos.

Este ataque talvez marque uma viragem nos ataques terroristas: eles passaram a ser planeados com muita antecedência, ação de surpresa, envolvendo meios humanos especializados, equipamentos e conhecimentos avançados, ataque simbólicos / de mensagem forte e mediatização global do horror provocado.

O mundo interrogou-se como foi possível um ataque desta dimensão, astúcia e “eficácia”, ao centro do centro do império global. Uma “nova” narrativa surgiu desse ataque: a luta entre os bons e os maus, a luta entre civilizações e entre religiões. O racismo e o militarismo substituiram a razão.

O ataque terrorista às torres gémeas foi feito precisamente pelas correntes fundamentalistas e religiosas que se agruparam na Al-Qaeda e que os próprios EUA tinham apoiado financeiramente para treino e armas, para estas se oporem ao exército russo que ocupava o Afeganistão.

Em dezembro de 2001 as Nações Unidas aprovam a criação da Força Internacional de Apoio à Segurança, liderada pelos EUA e pela NATO. O império, ferido, tinha de se “vingar” – o seu poder não podia ser posto em causa. O presidente George W. Bush decide iniciar o seu ataque, denominado "Liberdade Duradoura"” em 7 de outubro de 2001. Coincidência, ou talvez não, o ataque terrorista do Hamas também foi a um 7 de outubro.

A invasão do Iraque

A teoria de combate militar ao “eixo do mal” / “guerra ao terror” leva os EUA a atacarem o Iraque em 2003. Portugal fica tristemente marcado pela cimeira das Lajes, 16 de março, com Durão Barroso, George Bush, Tony Blair e José Maria Aznar, que sinalizou o início da invasão sob o argumento – provado como falso – que o ditador Saddam Hussein estava a produzir armas químicas de destruição em massa. A guerra que chegou a ter mais de 150 mil soldados da força internacional teve como consequência mais de 600 mil iraquianos mortos, milhares de refugiados, um país destruído, o crescimento do ódio fundamentalista e extremista de vários grupos – incluindo da própria Al-Qaeda. Todos os objetivos falharam. O sofrimento do povo aumentou!

Afeganistão, mais uma prova do fracasso da guerra!

Teoricamente a “comunidade internacional” esforçou-se por apoiar os governos pró-ocidentais de Cabul. A Conferência de Doadores de Tóquio para a Reconstrução do Afeganistão, janeiro de 2002, concede 4,5 bilhões de dólares a um fundo gerido pelo Banco Mundial. Eram objetivos: a modernização técnica, infraestrutural e de serviços públicos. Desconheço o resultado dessa avultada aplicação de dinheiro. O que é certo é que a oposição extremista voltou a crescer e estabelece-se uma ofensiva talibã, em 2021, em que o poder cai como um baralho de cartas. Os soldados governamentais passavam-se para os adversários e a sua entrada em Cabul foi como faca em manteiga no verão. Tudo falhou!

Mais uma vez: a teoria da guerra como solução para o combate ao extremismo falhou.

Mais uma vez se prova que ideias não se combatem com armas, que o populismo extremista ocidental não só não combate o extremismo fundamentalista, terrorista e religioso, como o faz crescer exponencialmente. Mais ainda, é no próprio ocidente que faz crescer movimentos fundamentalistas, extremistas, ódios, racistas e até neonazis e fascistas.

Nota final

Foi também num 11 de setembro, em 1973, no Chile, que foi desencadeado um golpe militar que destruiu a democracia, um governo e o presidente, Salvador Allende eleitos pelo povo, instaurando uma sanguinária ditadura chefiada pelo general Augusto Pinochet.

Também aqui esteve o apoio militar e financeiro do governo dos Estados Unidos e da CIA, bem como de organizações terroristas chilenas, nacionalistas-neofascistas, como a Patria y Libertad.

… “São coisas do Mundo/ Retalhos da Vida/ São coisas de qualquer lugar/ Mas se eu fico mudo/ Esse mundo imundo/ É capaz de me tentar mudar”. In “Retalhos”, de Alcione [1976].

Vítor Franco

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

As democracias estão em perigo?

Foto Tiago Petinga, Agência Lusa, Lisboa

Os tempos que correm suscitam indagações.

As democracias não estão em perigo quando: i) as elites e/ou partidos do sistema, normalmente vitoriosos, começam a demonstrar atitudes autoritárias? ii) “porta-vozes” e/ou comentadores assumem profusamente críticas a um país, por exemplo: a Venezuela, mas calam-se perante outros atentados à democracia como o que está a acontecer na Hungria ou na França? iii) líderes políticos e/ou governamentais assumem posições e narrativas que normalizam as da extrema-direita, abrindo-lhes mais a porta, tornando-se a sua fotocópia a preto e branco? iv) no poder, o oportunismo [vindo de entidades ditas de esquerda ou de direita] se sobrepõe aos princípios da Democracia e da República e quando o que se diz hoje se desdiz amanhã? v) a mentira e a manipulação da informação exponenciam o ódio e o ódio se torna uma atração para a conquista de votos e apoios?

O caso venezuelano é mais um exemplo do caudilhismo autoritário sul-americano. Vários opinion makers / influencers referenciam-no como sendo um regime de esquerda porque Maduro assim se define, o que só remete para a incompreensão ou má intenção. A autodefinição de um conceito não significa a verdade. Assim, considerar Maduro como político de esquerda [ou o Partido Comunista Chinês como comunista] é um erro que só favorece a ascensão e os créditos à direita! A Venezuela vive uma tragédia que se abate sobre o povo levando a que mais de 7,1 milhões de pessoas tenham deixado ou fugido do país… Um país “rico” com as maiores reservas de petróleo do mundo

Aqui por perto, o país da esperança, “Liberté, Égalité, Fraternité” não nos faz refletir?

Compreende-se melhor o percurso francês com um olhar ao artigo da professora universitária, em Paris, a portuguesa Cristina Semblano, intitulado “O macronismo, antecâmara do fascismo”, jornal Público.
“Emmanuel Macron, promulgou em 2016 a mais neoliberal Lei do Trabalho do pós-guerra – dita El-Khomri –, sem votação no parlamento, fazendo ouvidos moucos à oposição e ao clamor da rua”. Declarou “o estado de emergência em França, cujas leis de excepção, a coberto da protecção da população contra as ameaças terroristas, foram utilizadas para restringir direitos fundamentais, entre os quais o direito de manifestação. E foi o autor da proposta, cara à extrema-direita, de retirada da nacionalidade francesa a cidadãos binacionais mesmo nascidos em França”.

Foi o mesmo Macron que, perante a esmagadora derrota do seu partido nas eleições europeias e a vitória da extrema-direita, decidiu dissolver o parlamento e convocar eleições gerais. Macron julgava que o seu partido ia voltar a ser o refúgio de todos quantos queriam impedir a vitória do partido de Marine Le Pen. Ao invés, a esquerda uniu-se construiu um programa alternativo ao neoliberalismo radical e foi a coligação de esquerda – Nova Frente Popular (NFP) – quem venceu as eleições e teve o maior número de deputados, 182.

Nestas eleições a NFP teve papel destacado liderando a concentração de apoios com a desistência de candidatos seus para outros em melhor posição – nomeadamente apoiantes de Macron – possibilitando a estes conseguirem o segundo lugar, com 168 deputados, fazendo a extrema-direita passar de mais votado [na primeira volta] para terceiro lugar com 143 eleitos.

E qual a “paga” agora de Macron? Diaboliza a esquerda depois de ter precisado e usado o apoio desta para conseguir eleger os candidatos “macronistas”, ataca-a comparando-a à extrema direita, recusa um governo de esquerda e tenta formar um governo alheio aos resultados eleitorais. Democracia, para que te quero?!

Tal como aconteceu em Portugal, Espanha, (…) Macron devia chamar a coligação mais votada a indicar o primeiro-ministro e formar governo; se depois consegue apoio parlamentar ou tem o governo viabilizado já é a fase seguinte.

A exigência de respeito pela Democracia tem de valer para todos, na Europa ou fora dela!

Vítor Franco

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

A nossa terra precisa de incentivos positivos

Imagem Depositphotos

(Para ouvir em podcast clique aqui)

O envolvimento das comunidades na construção das opções e decisões para a sua terra precisa de um incentivo positivo.

É recorrente falar-se sobre alheamento, desinteresse ou passividade face às necessidades que as pessoas e a vivência na pólis reclamam. Em termos correntes, dir-se-á que a população não quer saber de política! No entanto, continuam os atropelamentos na cidade, o lixo persiste entremeado com arbustos, as fezes de animais cujos donos ou donas carecem de educação, as descargas ilegais de lixo nas barreiras da cidade, o desrespeito pelas regras de condução e estacionamento [ao ponto de impedirem a passagem de um peão e muito menos de um carrinho de bebé], o desrespeito pelo património, a ausência popular nas assembleias municipais ou de freguesia…. Poderia juntar muitos exemplos!

Acresce, Santarém está a reforçar o “seu” papel de lugar dormitório de Lisboa com a fuga da capital de gente que não consegue suportar os preços da habitação. Esse fator convoca a reflexão sobre as consequências de uma cidade dormitório.

Posto isto, há dois caminhos que se bifurcam em duas linhas de orientação nas autarquias:

Uma procura aplicar a sua linha política apresento-a como a melhor, a gestão eficaz, a mais competente, a que melhor serve a comunidade, a que é – no fundo – a de argumentário mais fácil confortável e fácil para um autarca fazer. Porquê? Porque essa linha política assenta numa decisão unicamente de cima para baixo, ainda que seja sustentada por vitória eleitoral. Essa é a linha seguida no nosso concelho, em particular, pelas presidências da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia da Cidade.
De modo distinto, a linha que procura o exercício da cidadania, ter cidadãos e cidadãs que pensam pela sua própria cabeça, que fomenta o gosto pela terra onde se vive, a ação cívica das pessoas em prol da comunidade [consequentemente de si próprias em ação solidária e construtiva, não de um egoísmo e individualismo que critica tudo e todos a partir do seu sofá – mas nada faz], pessoas com espírito crítico que são parte da solução e não parte do problema.

O concelho de Santarém, em particular a freguesia da Cidade [que conheço muito bem], tem excelentes exemplos de cidadania e de voluntariado: é o caso das associações culturais e recreativas, clubes desportivos, comissões de moradores, comissões de festas, grupos de dadores de sangue (…) compostas por dirigentes que dão o melhor de si para um bem comum. Essa energia positiva é fundamental para Santarém ter vida própria, precisa de ser mais apoiada pelos poderes autárquicos.

Cabe perguntar: queremos que a cidadania seja amorfa, composta de pessoas que se limitam a consumir as decisões dos poderes autárquicos?

A minha linha de orientação incentiva as pessoas que criam jardins como o fazem na Rua Dr. António Maria Galhordas ou na Prof. Manuel Bernardo das Neves, que fazem limpeza de chafarizes e de ruas como fez o movimento “No coração da cidade – Santarém”, que proteja o meio ambiente ou a cultura da sua terra como fazem o movimento Movimento Ecologista Vale de Santarém ou a sua identidade como a Associação Cultural Vale de Santarém – Identidade e Memória, ou que proteja os animais incluindo os errantes abandonados por seus donos, entre muitos e tantos outros bons exemplos.

Aqui chegados, há que refletir porquê a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia da Cidade não colocaram em prática os Orçamentos Participativos aprovados respetivamente em 2021 na Assembleia Municipal e em 2020 na Assembleia de Freguesia da Cidade. É que os O.P.s são ferramentas provadas que fomentam o gosto, a responsabilidade e o compromisso com a terra onde se vive.

A nossa terra precisa de incentivos cívicos positivos, os orçamentos participativos são um exemplo.

Vítor Franco

 

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Toulouse, a cidade rosa


Esta “coisa” de escrever em tempos de férias… Não dá muito para falar de coisas sérias, se bem que as férias pagas tenham sido uma grande conquista dos trabalhadores.

Na falta de novas grandes viagens em bicicleta, não levais a mal que “faça render o peixe”, até porque abundaram as lesões e não abundou aquilo com que se compram os melões… Enfim, acrimónias minhas…

A pedido de várias famílias [conversa para fingir que foi muita gente] venho partilhar mais algumas experiências do Canal du Midi.

– Que chato! Já estou a ouvir! Bem, direi só umas breves palavras sobre Toulouse – a linda cidade rosa que me “ficou no goto” –, onde ganhei amigos franceses também apaixonados por esta “maluqueira” de pedalar kms e kms e demorar um dia a fazer o que num carro se faz em uma hora… Vamos à chegada à cidade rosa.

A chegada ao aeroporto da cidade foi fácil [há ligações lowcost], descobrir a caixa com a minha bicicleta é que não. O translator lá foi ajudando, “monsieur, mon vélo n'est pas venu?!”.  Lá eu ia insistindo com os funcionários que estavam na entrega das embalagens fora de formato. Ao princípio não me ligaram muito, então eu lancei o meu truque secreto, fiz voz mais grave, e, francofonamente, arranhei qualquer coisa a parecer: “eu sou português, venho para Toulouse andar de bicicleta e agora a bicicleta não aparece, não pode ser”!

Vocês podem não acreditar, mas a afirmação “eu sou português” é ótima para gerar simpatia, ou então para parecer um “atrapalhado”, o que é certo é que já me livrei de multas por não validar bilhetes de comboio, fui perdoado pela polícia por ter entrado em zonas proibidas [aqui tive que responder ao polícia que indagou porquê eu ter passado as fitas sinalizadoras: “Cristiano Ronaldo, sem me rir!], outras mais…

Bem, finalmente um funcionário decide ir procurar a minha caixa de bicicleta, e, por fim, lá apareceu com ela, estava num elevador disse; ele não sabia explicar porquê e eu quase não o percebia, ficámos empatados. Talvez se eu tivesse arranhado em occitano ele entendesse; eu também levava essa cábula linguística, ciclista prevenido é como pneu com líquido antifuro…

Pronto, passei à fase seguinte, montar a bicicleta: a montagem foi “supervisionada” por trabalhadores do aeroporto que iam assistindo divertidos e fumando cigarros. Tirar as proteções, colocar os ferros da tenda por baixo do quadro, cada bolsa em seu sítio, selim regulado na altura certa, volante e ângulo dos manípulos dos travões e mudanças, pedais, etc e tais…

No fim de colocar todo o lixo nos devidos recetores pedi informações aos fumadores de como chegar à cidade… Simples, “via metro de superfície, barato e bom”, ok, porreiro, chegado ao metro, lá tive de ir pedir nova ajuda” para tirar o bilhete correto a outro “descendente de Junot”. Com esta conversa toda e ainda não falei da cidade…

Saí no Palácio de Justiça e de lá dei a volta pelo centro da cidade rosa, tendo como objetivo o posto de turismo situado na belíssima torre da Capitólio.

Como é costume começou a chuviscar, S. Pedro adora receber-me assim. Num café fiquei à conversa com um casal que se interessou pela bicicleta e Portugal. Chega-se o tempo de me aproximar da casa do casal até então desconhecido e amigo warmshower... Ainda deu para espreitar a Cité de l'espace [visitei esta atração no dia seguinte] e fotografei a réplica [julgo] do Ariane.

O jovem casal, que me recebeu em sua casa, tinha feito a rota da seda em bicicleta; claro que a primeira noite foi uma maravilha de receber tão belas vivências e tão marcadas experiências.

No dia seguinte visitei a cidade. A primeira evidência que salta à vista é o excelente trabalho de ligação e usufruto popular ao rio Garona e ao canal du Midi. As pessoas usufruem de margens tratadas e frondosas, há ciclovias, atos culturais, património (…) vida! Mais uma lição para Santarém, “fui dizendo aos meus botões”.

Não vos maço com mais descrições [sugiro verem as ligações nas palavras azuis], realço ainda o centro histórico, o Museu da Resistência e da Deportação, o Convento dos Jacobins, a Catedral de Saint-Étienne e a Basílica de St. Sernin, património mundial.

Fico satisfeito se vos agucei o apetite para visitar a linda Toulouse. Se a curiosidade vos impeliu a fazer o belo canal du Midi em bicicleta, ide amigos, ide! Se precisarem de informações para planearem a vossa viagem cá estarei.

Vítor Franco

Poderá também ler e ouvir:

https://maisribatejo.pt/2021/11/06/abc-de-uma-viagem-em-bicicleta-pelo-canal-du-midi/

https://maisribatejo.pt/2021/10/02/cronica-visual-do-canal-do-midi-em-franca-a-ecovia-do-rio-tejo-video-e-podcast/

https://maisribatejo.pt/2024/08/13/cronicas-de-viagem-em-bicicleta-canal-du-midi-por-vitor-franco-c-podcast/

 

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Pós-verdade é anti-democracia, a caminho da idade média!

Créditos de imagem: em-rede.com 

Os tempos que correm trazem-nos desafios inesperados, que poderiam convocar a nossa reflexão. A comunicação de ideias e mensagens em “pós-verdade” trouxe renovados apelos ao ódio agindo em irresponsabilidade quase total perante o respeito para com pessoas e/ou comunidades. O ser humano transforma-se vulgarmente em carneiro que segue o rebanho e este segue o pastor.

Partilho este olhar:

A pós-verdade é a aceitação de uma informação por um indivíduo ou grupo de indivíduos, que presumem a legitimidade desta informação por razões pessoais, sejam preferências políticas, crenças religiosas, bagagem cultural, etc. Assim, a pós-verdade não implica necessariamente em uma mentira (tendo em vista que a informação não verificada pode ser verdadeira), mas sempre implica em uma negligência com relação a verdade.”s partiu da informação – falsa – de que o assassino das três crianças era um refugiado. Os pais sim, eram

A recente onda de violência, desencadeada pela extrema-direita inglesa, contra pessoas imigrantes e refugiada imigrantes, o jovem é simplesmente um inglês. Para os incendiários da violência basta o jovem ser negro para ser sinónimo de imigrante ou refugiado. Ora se um jovem é negro, ou refugiado, ou imigrante, o adjetivo de criminoso transmite-se a toda a comunidade e toda esta está a ser atacada.

Estas situações não são novas no mundo e muito menos em Portugal. Vejamos a matança de judeus, em Lisboa, na páscoa de 1506. Cito da Wikipédia: “historiografia situa o início da matança no Convento de São Domingos de Lisboa, no dia 19 de abril de 1506, um domingo, quando os fiéis rezavam pelo fim da seca e da peste que grassavam em Portugal, e alguém jurou ter visto no altar o rosto de Cristo iluminado — fenómeno que, para os católicos presentes, só poderia ser interpretado como uma mensagem de misericórdia do Messias — um milagre. Um cristão-novo que também participava da missa tentou explicar que esse milagre era apenas o reflexo de uma luz, mas foi calado pela multidão, que o espancou até à morte”. A partir daí todos os judeus passaram a ser os hereges culpados da peste e mais de 4000 foram assassinados em apenas três dias por multidões em fúria.

Outro exemplo, bem contemporâneo, acontece entre nós quando um dirigente político ataca toda a comunidade cigana apelidando todas essas pessoas de ladrões e afins. O mesmo faz com os imigrantes acusando-os de viverem à nossa custa [não acusa os banqueiros] – sabendo perfeitamente que está a mentir –, pois os imigrantes dão lucro ao Estado Português e estão a contribuir com mais de mil e quinhentos milhões de euros para a segurança social, ajudando assim a pagar as reformas e os apoios na saúde de todos nós.

A recente polémica acusando a pugilista argelina Imane Khelif de ser trans e disputar um combate em posição mais favorável à outra atleta feminina trouxe à opinião pública uma variedade inaudita de disparates. Dirigentes partidários e de países, deputados [incluindo Rita Matias do Chega], uma infinidade de gente que se tornou instantaneamente especialista em ADN, cromossomas X e Y, elegibilidade de género, testosterona, regras internacionais de boxe, (…), usaram a imprensa e as redes sociais para afirmar a sua ira contra uma mulher trans, afirmando ser um atentado contra as mulheres e a propagação da ideologia de género” até nas olimpíadas. Tal ira, nos e nas emissoras de opinião, tem três coisas em comum: i) pertencem ao lado extremista da direita, ii) nada fazem contra a violência doméstica que todos os anos vitimam dezenas de mulheres em Portugal e muitas milhares no mundo e iii) acusam uma pretensa “ideologia de género” para carrear ódio contra a diversidade humana, os direitos das próprias mulheres e a nossa própria democracia.

Por fim, sem qualquer assomo de petulância, será positivo que pensemos pela nossa própria cabeça, que construamos a nossa opinião fundamentando-a, que debatamos em respeito e em solidariedade – sem ódios! A pós-verdade, transformada em mentira, só cria ódio e transforma pessoas em carneiros!

Vítor Franco

sexta-feira, 26 de julho de 2024

As mãos no pote do dinheiro público

311 empresas com auxílios de Estado, considerados ilegais, no valor de 833 milhões de euros. Considerados ilegais por quem? Pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, isto porque o Estado Português aplicou-lhes “taxas de IRC reduzidas [de 3%, 4% e 5%] sem controlar se as empresas cumpriam as condições necessárias”. Notícia de 05/07/2024, Jornal Público.

“Cruzamento de dados descobre 16 mil pessoas a enganar o Estado”… "o valor dos pagamentos detetados que não foram declarados pelos contribuintes para efeitos de IVA e de IRC ascende a mais de 400 milhões de euros". Notícia de 04/12/2023, Jornal Expresso.

Estas duas notícias são apenas algumas das muitas que aqui se poderiam partilhar. Das milionárias isenções de imposto de selo, das benesses ainda muito mais milionárias no abatimento do IRC das empresas a partir da Lei do Orçamento de Estado – beneficiando grandes grupos económicos que (ab)usam da “engenharia financeira” em prejuízo da comunidade e das pequenas empresas (...), há um sem número de facilidades que descapitalizam o Estado Português.

Dir-se-á que são as regras de um “sistema” que se quer competitivo fiscalmente, face à concorrência de países como a Irlanda e outros países com paraísos fiscais. Ledo engano. A dogmática asserção, sem comprovação real, em rigor distorce o bem comum, desequilibra as contas públicas e fragiliza o Estado e as suas responsabilidades para com as e os seus cidadãos.

O “fio de prumo” deste intento é coerente com o argumentário dos liberais sempre exigindo redução de impostos em desprimor da sua justa e correta aplicação nos serviços públicos de saúde e educação.

O paradigma consubstanciado no lema “menos Estado, melhor Estado” provou a sua iniquidade castigando os serviços públicos, os seus funcionários e quem necessita dos serviços próprios e necessários a um país moderno. Este paradigma faliu – há que referenciar, sem temor!

O referido lema retornou ao centro do poder agora com um argumento auxiliar que se tornou o principal: “se o serviço público não é capaz, reforçam-se os serviços públicos contratualizando no privado”. Parece lógico e de bom senso, parece, mas desconvoca a necessidade de melhoria desses mesmos serviços públicos transformando estes em plataforma de negócio do privado. Um dos exemplos mais “caricatos” acontece nas urgências dos hospitais com os médicos de empresas privadas a ganharem em três dias o que um médico de carreira pública ganha num mês.

O lema de “menos Estado” tem consequência dura para muitas pessoas. Vejam, só este exemplo: em quantos serviços públicos se fazem endoscopias, ecografias às partes moles ou colonoscopias? Agora, vejam quanto custam no privado!

Querem mais exemplos?

Vítor Franco

domingo, 30 de junho de 2024

Há democracia com tantas pessoas sem abrigo?

Foto da Av. 5 de outubro, Lisboa, tirada a 25 de junho de 2024

Estávamos em convívio na sede da SRO, em Santarém. Um dos atletas da nossa equipa, Desafios Positivos D+, tinha feito anos e, como é habitual, juntámo-nos para festejar.

Cerca das 21h um senhor desconhecido entra na sede e dirige-se à sala de convívio. Perguntámos se precisava de alguma coisa e que desejava.

– Tenho fome, disse.

– Sem problema, disse-lhe. Mandei-o sentar-se e servi-lhe dois pratos da nossa comida.

Puxei conversa, indaguei de onde vinha e porque estava por cá. Disse-me que é português e foi emigrante. Regressado a Portugal a vida não lhe terá corrido bem. Vagueava de terra em terra procurando a sorte que lhe tinha fugido. Estava também sem abrigo, considerava-se um refugiado no seu próprio país o que ele próprio era uma revolta pois dizia ser “um homem de Deus”.

Enquanto comia discorreu sobre os outros pobres, ou outros sem abrigo que considerava uns privilegiados até porque dormiam em albergues ou tinham apoios sociais. Criticou os horários dos albergues noturnos que obrigam à saída matinal e a sua disciplina. Falou da prostituição entre pessoas sem abrigo, em troca de algum para a droga… Recordei os fins de 2007, início de 2008, quando participei no Porto numa equipa que elaborou um vasto trabalho de campo e que teve fim feliz em vários projetos-lei do Bloco de Esquerda e no “Livro Negro, sobre a pobreza no distrito do Porto”, cuja capa é precisamente o Albergue Noturno do Porto. Recordei-me da visita a este Albergue e da dedicação que as e os funcionários dedicavam a estas pessoas. Alguns dos problemas dos sem abrigo eram a perda da documentação, a ausência de morada fixa para ter eficaz acesso aos subsídios e apoios sociais ou – imagine – a burla que alguns empresários lhes faziam que, em troca de parcos euros, usavam a identidade dos sem abrigo para negócios escuros; depois, as pessoas sem abrigo eram vítimas de problemas judiciais e acusados de crimes que em todo desconheciam.

Voltando ao “refugiado”, para a sua dormida, nessa noite, sugeri que contatasse os Bombeiros Voluntários, talvez lhe pudessem dar algumas indicações. No fim de comer saiu, sem mais… Regressei ao convívio.

Este episódio fez-me lembrar outras situações de pessoas sem abrigo que tenho visto a dormir em Santarém. Confesso que é das situações que mais me incomoda, em particular se forem idosos, talvez por isso volto ao tema neste jornal. Já vi pessoas a dormir em entradas de bancos onde se situa o multibanco, em recantos mais abrigados de prédios e até em casas abandonadas. Tenho a sensação de que este problema se tem vindo a agravar, transportando consigo as restantes exclusões sociais.

Também me incomoda que a Assembleia Municipal tenha recusado a proposta da deputada municipal Ana Eleutério para melhorar as condições em que se dá apoio municipal ao arrendamento. Em rigor, “é praticamente inalcançável para quem possa necessitar de recorrer ao mesmo”. O apoio municipal existe para quem tenha até 509 € de rendimento mensal e more no concelho há mais de três anos, ou seja, é um subsídio dado a quase ninguém. Incomoda-me que nenhuma das forças que tem vereadores da Câmara tenha votado a favor! Enfim, cada eleito é livre de votar como quer… 
Vítor Franco
(Publicado no Jornal Mais Ribatejo, veja aqui)

domingo, 16 de junho de 2024

O homem do chafariz

Chafariz da Praça da Armada - 1661, créditos da Câmara Municipal de Lisboa.

Caminho pela rua, sigo tranquilo e pensativo, tinha estado com colegas que trabalham por turnos rotativos…. Dormir na vez das horas que o ditame laboral impõe, ver filhos e filhas quando dormem, deitar na cama ainda quente de pessoa já ausente…

São umas dez horas da manhã, tínhamos estado numa esplanada a tomar café, os colegas tinham trabalhado de noite, a cafeína ajudava, mas as palavras não poderiam ser longas que os olhos tendiam a fechar-se. Tinha tomado notas para o sindicato apresentar à empresa, pensativo recordo os meus tempos de onze anos em turnos, coisas do passado, quando começamos a envelhecer estamos sempre a falar do passado…

Caminho, pensativo…

Ao chegar ao chafariz da Praça da Armada vejo um homem deitado em cima de um papelão, tapado com um cobertor, resguardado do vento pelos lados curvos das guardas laterais. Não parece ter frio, quiçá o calcário lioz lhe devolve o calor que o vida lhe nega. Deve ter uns 50 anos, parece bem apresentável, paro a olhar para ele… O homem sente a minha presença e levanta a cabeça como que a indagar o que queria eu dele… Que poderia eu dizer?

Sabe-se que há gente a dormir na rua que, embora trabalhe, não consegue pagar uma renda, tomam banho e guardam roupa no lugar onde vendem barato a sua força de trabalho – tão barato que lhe rouba a dignidade de um repouso humano…

Que poderia eu dizer ao homem sem cama que dormia no chafariz sem água? O chafariz está datado de 1845, a dignidade desta pessoa também parece assim estar, 1845… Desta? Não, de tantas pessoas que dormem nas ruas nesta cidade onde são muitas mais as camas vagas para repouso de turistas… Camas sem pessoas e pessoas sem cama…

O chafariz não tem água, não tem peixes, registado com o número dez, regista também o abandono da magnífica rede de distribuição de água em chafarizes que acompanhou outras obras magníficas como o aqueduto… Transeuntes passam por ali e ignoram o chafariz sem água, ignoram também o homem sem cama que lá se acolheu, alguns turistas param e tiram fotos a jeito de não registar o sem abrigo que fez do monumento o seu abrigo sem água.

Que poderia eu dizer ao homem que me olha? Não sei o que lhe dizer, aceno a cabeça em jeito de bom dia, recomeço o caminho, pensativo…

Vítor Franco
(publicado no Jornal O Ribatejo, veja aqui)

REGRESSO DA GALDÉRIA

A galdéria vai para casa. O problema é que fez uma birra, quis ir num saco almofadado. A menina é exigente, uff, não é fácil aturá-la... Bem...