As democracias estão em perigo?

Foto Tiago Petinga, Agência Lusa, Lisboa

Os tempos que correm suscitam indagações.

As democracias não estão em perigo quando: i) as elites e/ou partidos do sistema, normalmente vitoriosos, começam a demonstrar atitudes autoritárias? ii) “porta-vozes” e/ou comentadores assumem profusamente críticas a um país, por exemplo: a Venezuela, mas calam-se perante outros atentados à democracia como o que está a acontecer na Hungria ou na França? iii) líderes políticos e/ou governamentais assumem posições e narrativas que normalizam as da extrema-direita, abrindo-lhes mais a porta, tornando-se a sua fotocópia a preto e branco? iv) no poder, o oportunismo [vindo de entidades ditas de esquerda ou de direita] se sobrepõe aos princípios da Democracia e da República e quando o que se diz hoje se desdiz amanhã? v) a mentira e a manipulação da informação exponenciam o ódio e o ódio se torna uma atração para a conquista de votos e apoios?

O caso venezuelano é mais um exemplo do caudilhismo autoritário sul-americano. Vários opinion makers / influencers referenciam-no como sendo um regime de esquerda porque Maduro assim se define, o que só remete para a incompreensão ou má intenção. A autodefinição de um conceito não significa a verdade. Assim, considerar Maduro como político de esquerda [ou o Partido Comunista Chinês como comunista] é um erro que só favorece a ascensão e os créditos à direita! A Venezuela vive uma tragédia que se abate sobre o povo levando a que mais de 7,1 milhões de pessoas tenham deixado ou fugido do país… Um país “rico” com as maiores reservas de petróleo do mundo

Aqui por perto, o país da esperança, “Liberté, Égalité, Fraternité” não nos faz refletir?

Compreende-se melhor o percurso francês com um olhar ao artigo da professora universitária, em Paris, a portuguesa Cristina Semblano, intitulado “O macronismo, antecâmara do fascismo”, jornal Público.
“Emmanuel Macron, promulgou em 2016 a mais neoliberal Lei do Trabalho do pós-guerra – dita El-Khomri –, sem votação no parlamento, fazendo ouvidos moucos à oposição e ao clamor da rua”. Declarou “o estado de emergência em França, cujas leis de excepção, a coberto da protecção da população contra as ameaças terroristas, foram utilizadas para restringir direitos fundamentais, entre os quais o direito de manifestação. E foi o autor da proposta, cara à extrema-direita, de retirada da nacionalidade francesa a cidadãos binacionais mesmo nascidos em França”.

Foi o mesmo Macron que, perante a esmagadora derrota do seu partido nas eleições europeias e a vitória da extrema-direita, decidiu dissolver o parlamento e convocar eleições gerais. Macron julgava que o seu partido ia voltar a ser o refúgio de todos quantos queriam impedir a vitória do partido de Marine Le Pen. Ao invés, a esquerda uniu-se construiu um programa alternativo ao neoliberalismo radical e foi a coligação de esquerda – Nova Frente Popular (NFP) – quem venceu as eleições e teve o maior número de deputados, 182.

Nestas eleições a NFP teve papel destacado liderando a concentração de apoios com a desistência de candidatos seus para outros em melhor posição – nomeadamente apoiantes de Macron – possibilitando a estes conseguirem o segundo lugar, com 168 deputados, fazendo a extrema-direita passar de mais votado [na primeira volta] para terceiro lugar com 143 eleitos.

E qual a “paga” agora de Macron? Diaboliza a esquerda depois de ter precisado e usado o apoio desta para conseguir eleger os candidatos “macronistas”, ataca-a comparando-a à extrema direita, recusa um governo de esquerda e tenta formar um governo alheio aos resultados eleitorais. Democracia, para que te quero?!

Tal como aconteceu em Portugal, Espanha, (…) Macron devia chamar a coligação mais votada a indicar o primeiro-ministro e formar governo; se depois consegue apoio parlamentar ou tem o governo viabilizado já é a fase seguinte.

A exigência de respeito pela Democracia tem de valer para todos, na Europa ou fora dela!

Vítor Franco

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