sábado, 30 de outubro de 2021

“ABC” de uma viagem em bicicleta pelo Canal du Midi

A bicicleta e o canal

1. O que é o Canal du Midi?

Texto de abordagens sintéticas, pois sou adepto da pesquisa de cada pessoa; a pesquisa e a preparação fazem parte da descoberta e do interesse em construir a viagem que mais se gosta. Os links dão a complementaridade necessária. Este é o texto que enquadra o essencial da viagem.

Construído no século XVII o Canal du Midi é uma extraordinária obra, património mundial, que é hoje uma referência turística e ecológica do sul de França.

Percorrer o canal é também uma visita à medieval história dos cátaros e ao seu extermínio pelas invasões das cruzadas da igreja católica romana. É também trazer à memória a tragédia que foi o ditador Franco de Espanha, a fuga de centenas de milhares de republicanos espanhóis homenageados na histórica vila circular de Bram onde existiu um campo de acolhimento.

São imensos os factos históricos que merecem visita e conhecimento, mas também a boa gastronomia com o vinho a acompanhar os pratos típicos. O cassoulet é imperdível, de preferência acompanhado de tinto! Na “batalha” reivindicativa da lenda que deu origem ao prato opõem-se Castelnaudary [o coração da construção do Canal du Midi com o seu grande lago: a“Grande Tigela”] e a líndissina Carcassonne em cujo castelo fiz um vídeo.

O Canal pode ser percorrido como quiser: a pé, de bicicleta ou de barco. São muitos os parques de campismo, os barcos hoteleiros, as zonas de apoio… Tudo depende do gosto, da possibilidade económica e física e até do conceito de viagem de cada pessoa. As muitas hiperligações que faço ajudarão as escolhas e cada pessoa definir a sua viagem.

Carcassonne, património mundial

2. Beleza e percurso.

A região do Sul de França é muito interessante. Ali se cruzam civilizações, disputas económicas e religiosas, línguas e culturas. Já ouviu falar na língua occitana, da Occitania? E no pastel?

A religião cátara, apesar de extinta, ainda hoje marca presença na monumentalidade e na cultura. Descubra porque os cátaros eram vegetarianos e defendiam “a terra a quem a trabalha”, sendo oponentes da propriedade privada. Os cátaros, massacrados pelas cruzadas da igreja católica romana, reagiram contra a inquisição e vingaram-se em Avignonet.

A viagem começou em Toulouse, para onde fui de avião, seguindo-se lugares muito interessantes até Castelnaudary onde a bicicleta avariou e tive de ir de comboio para a cidade património mundial Carcassonne onde foi reparada. Prosseguindo os trilhos (…) perto da aldeia de La Somail [que tem uma das melhores e mais famosas livrarias de livros antigos do mundo] fiz um desvio para norte, para Minerve – uma das aldeias mais belas da França. Após dois dias em Minerve, retomei o canal e fiz novo desvio, agora a sul, para uma ida à Abadia de Fontfroide. Após visitar a abadia segui então para Narbonne onde dormi; a vinda de Cesseras / Minerve para Fontfroide e depois Narbonne até Bézier foram os dias mais duros: vento contra, chuva e frio. A partida de Narbonne fez-se, à chuva, pelo Canal de Robine; obras no Canal obrigaram-me a voltar atrás e, debaixo de fome e chuva, apanhei a estrada para Cuxac-d’Aude onde uma francesa me ofereceu comer [ver relato no face]. Retomei o Canal du Midi em Capestang e daí até Bézier. Aprecie Bézier de longe, junto às lindas e famosas 9 Écluses de Fonseranes.

Passar entre o Mediterrâneo e a Lagoa de Thau é um privilégio de contato maravilhoso com a natureza e as milhares de aves, em particular flamingos. Chegar a Sète é chegar à meta, a um grande porto e uma cidade dinâmica.

Oficialmente, o Canal du Midi termina na lagoa e em Sète. Eu segui para a linda vila fortificada de Aigues Mortes e fiquei em Vauvert. Depois foi comboio: Nimes, Arles, de bicicleta subindo à bonita Les Baux-de-Provence e ao sensacional Carrieres de Lumieres e depois comboio de Arles [onde, no coliseu romano, gravei este vídeo para o jornal Mais Ribatejo] a Marselha com volta de avião…

Vista para Béziers

3. Porquê a opção de fazer em bicicleta?

A bicicleta permite uma liberdade de movimentos e acesso a locais só assim possíveis. Ela implica outra logística, outros equipamentos, mas a solução isso ganha-se com a prática.

A chegada implica levar a bicicleta desmontada [o Edu mostra aqui uma superproteção] em caixa e remontar à chegada. O aeroporto de Toulouse, que tem voos diretos de Lisboa, é pequeno e simples – mas fiquei com a noção de que as descargas não funcionam bem: a minha bicicleta não aparecia nas bagagens fora de formato e foi descoberta por um funcionário num elevador ??!!

Para o acesso à cidade rosa aconselho o metro de superfície, o Tram, que parte logo em frente ao aeroporto e tem máquinas de compra de bilhete.

Para Lisboa voltei de avião de Marselha, também um aeroporto de fácil acesso a partir da estação ferroviária de Vitrolles Aéroport e logo na estação a ligação rodoviária gratuita pela Navette Aeroport. No próprio aeroporto há serviço de bagagens, a Safe Bag, que vende a caixa de cartão para a bicicleta a 25€. Por precaução leva um rolo de fita adesiva larga

Comer é para mim um desafio devido à intolerância ao glúten, mas pode-se comer bem pagando 5 a 10€ a mais do que seria em Portugal. Para dormir eu partilhei a rede de ciclistas viajantes warmshowers e hotéis baratos. Apesar de levar tenda não a usei, até porque as noites estavam frias e algumas noites choveu.  

 Maison Carrée, templo romano, Nimes

4. Os percursos, links os receios.

Descrevo cada lugar em particular, ver os links no fim, por certo aumentará o seu prazer de descoberta. Os muitos links, as fotos e vídeos por certo cativarão a sua visita!

Até Sète demorei 10 dias, viajando nas calmas, em segurança, conhecendo os locais e aprendendo a sua cultura.

O mundo não é tão perigoso como se pensa, há muitas pessoas solidárias que se oferecem para ajudar ou até só conversar. Quando, por cá, as pessoas me abordam falam quase sempre do medo de viajar sozinho por lugares desconhecidos, o receio de “acontecer alguma coisa”, a insegurança de não se ter tudo definido à partida. Amig@s, não tenham receio.

Em toda a Europa há serviços públicos de saúde que podem usar com o também gratuito Cartão Europeu de Seguro de Doença. É claro que é preciso ter os cuidados que também aqui devem ser usados.

Eu faço de cada viagem uma aprendizagem, o prazer de conhecer. Fica aqui o desafio: experimente viajar em bicicleta!

Bicicleta avariou em Castelnaudary, comboio até Carcassonne







Publicação 1 chegada a Toulouse;

Publicação 2, belezas em Toulouse;

Publicação 3, como bem se faz a ligação ao rio;

Publicações 4, 5 e 6 o a beleza do Canal;

Publicação 7, a linda Carcassonne;

Publicação 8, imagens que parecem pinturas;

Publicação 9, de Carcassonne a Cesseras com almoço em Trèbes, aldeia das flores;

Publicação 10, das grutas, canyon e aldeia medieval de Minerve;

Publicação 11, da aldeia de Le Somail à abadia de Fontfroide;

Publicação 12, da chuva e da lama ao reavivar da “Liga dos Justos”;

Publicação 13, chegada a Sète, os percursos, o fim oficial do Canal du Midi

Publicação 14, espetaculares vistas à beira mar nas ciclovias de l’Hérault;

Publicação 15, a cidade romana de Nimes;

Publicação 16, na arena romana de Arles, do mitraísmo romano às touradas de hoje;

Publicação 17, a bela Arelate;

Publicação 18, Abadia de Montmajour, BTT nos moinhos com a equipa de Fontvieillie, subindo a Les Baux-de-Provence e a sensacional #carrieresdelumieres;

Publicação 19, a despedida em Marselha;

Publicação 20, do Canal du Midi para o jornal Mais Ribatejo.

 

Fim de viagem a 10 de outubro de 2021.

Vítor Franco

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Para abrir o apetite. Canal du Midi 2

O Canal du Midi é uma excelente viagem para se fazer de bicicleta, de barco ou até a pé. Quem não puder, pode fazê-lo de carro mas fica privado de muita beleza.
Percorrer o canal é também uma visita à história dos cátaros e ao seu extermínio pelas invasões das cruzadas da igreja católica romana, à fuga de centenas de milhares de republicanos espanhóis dos assassinatos em massa feitos pelas tropas de Franco, à história e à beleza de Toulouse, Carcassonne, Séte...
Percorrer o canal é perceber como uma excelente ideia do século XVII pode ser hoje património mundial e um exemplo da proteção da natureza e do turismo sustentável.
Nas próximas publicações detalharemos as belezas...
À saída de Toulouse




O Canal passa por cima do rio






Outubro de 2021
Vítor Franco

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Canal du Midi 1

É a primeira vez que farei uma cicloviagem pós-verão. Há desafios novos: mais frio, chuva e vento. Também os parques de campismo reduzem ou fecham a atividade. Vou tentar recorrer à rede solidária de cicloviajantes warmshowers. Provavelmente precisarei de comprar uma boa tenda de trecking e um saco cama zero graus... Veremos...

Também há vantagens: há menos gente na estrada ou nos trilhos, assim como nos lugares turísticos. As cores outonais trazem outra beleza que um bom fotógrafo tiraria partido. Fraco fotógrafo limitar-me-ei a fotografar com Gopro e telemóvel mediano. 

A bicicleta já está a receber adaptações: uma bolsa de quadro impermeável e outra de volante tipo bikepaking. Falta um suporte dianteiro... Fiz uma uniformização de tudo quanto necessita energia para poupar em equipamentos, agora é tudo carregado por usb a partir uma powerbank 20 000... 

O percurso começa em Toulouse e seguirá próximo do canal até ao Mediterrâneo, depois subirei para norte, Montpellier, Nimes, Vers-Pon-du-Gard, Avinhon, aldeias em serras da Provença, descer para Arles e seguir para Marselha, com desvios para visitar lugares património mundial ou de interesse histórico, ambiental ou cultural, é o plano. Tudo dependerá do tempo (frio, chuva...)

Prometo uns vídeos interessantes...

A partir do dia 27 haverão notícias. Aqui ficam algumas fotos, por quem as sabe tirar.




Carcassonne (foto de autor desconhecido)

Vítor Franco

terça-feira, 7 de setembro de 2021

De bicicleta em Porto Santo, dia 2



Com um atraso mas cá vai.

A ilha tem mais atrativos do que o se pensa. É preciso fazer devagar e apreciar.  Reserva da biosfera da UNESCO desde 28 de outubro de 2020 tem características próprias em que a [falta de] água desempenha papel histórico.

De pouco ou quase nada resta dos fortes construídos para defesa da ilha, salva-se a ida ao Forte do Pico da Ilha do Porto Santo.

Podia fazer-vos um descritivo, hoje não eh eh eh…

Deixo só as fotos para vos aguçar o apetite…


















Vítor Franco







quinta-feira, 2 de setembro de 2021

30 km nas cidades - até os teimosos podem aprender!

Foto de Vítor Franco

A propósito de mais um atropelamento mortal de uma mulher, grávida, ciclista, publiquei há dias o meu apoio à redução de velocidade automóvel nas zonas residenciais para 30 km/h.

A publicação no facebook, recebeu impropérios, comentários pretensamente científicos, acusações de fundamentalista da bicicleta e outras atitudes desqualificadas a que não dou troco.

É preciso colocar o dedo em algumas feridas:

1.ª É preciso acabar com o conceito de que o carro é o símbolo do sucesso, que se pode levar até “debaixo da cama”.

2.ª É preciso acabar com o dogma que dá ao automóvel individual a única possibilidade de mobilidade, desresponsabiliza o transporte público e desqualifica o poder autárquico.

3.ª É preciso dizer aos urbanistas e presidentes de câmara, que quando projetaram vias rápidas dentro das cidades isso só deu errado, que esse paradigma deu em inúmeros acidentes mortais e exclusão das pessoas com mobilidade reduzida.

4.ª É preciso dizer que passam de teimosos a outro adjetivo pior quando – depois de tanta triste estatística, de tanta produção de conhecimento sobre como bem-fazer, de tanta experiência positiva concreta por essa Europa fora –, se teima em manter erros que se pagam caro.

Portanto:

1.º É preciso aplicar o novo paradigma de mobilidade, sustentável, fluente, eficaz, útil e para todas as pessoas, que proteja as crianças e as pessoas idosas ou deficientes. Uma terra para tod@s!

2.º É preciso que as autarquias e as Comunidades Intermunicipais assumam as suas responsabilidades políticas e legais. Se não o fazem passa ao despautério, ou compadrio com o loby económico e ideológico do automóvel, ou são mesmo incompetentes!

3.º É preciso confrontar a Rodoviária do Tejo que não responde às necessidades porque quer é o seu lucro privado. A Comunidade Intermunicipal e as Câmaras podem perspetivar uma empresa municipal 100% pública, como já acontece noutros lugares, com horários adequados e quantidade e qualidade de serviço!

4.º É preciso acabar com o péssimo ordenamento do espaço público e estrutura dos arruamentos nas localidades. As Câmaras Municipais têm de mudar a agulha e pôr-se a trabalhar, com ou sem aproveitamento dos fundos europeus disponíveis para isso!

Caras e caros amigos

A ciência e a vida concreta já provou: “Os automóveis não podem continuar a circular à velocidade habitual, se queremos diminuir o número de acidentes, a sua gravidade, a poluição provocada pelos motores de combustão”. É o que começou a acontecer em Paris este fim de semana!

Tem dúvidas? 65,8% dos acidentes são em arruamentos! Consulte o Relatório de Sinistralidade, de junho, da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária! Convido também à leitura clicando neste meu artigo sobre atropelamentos ou este co-relacionado com mobilidade urbana.

Como dizia o nosso amado poeta Luís de Camões:

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o ser, muda-se a confiança
Todo o mundo é composto de mudança
Tomando sempre, tomando sempre
Novas qualidades”

Cliquem aqui e ouça a linda interpretação do José Mário Branco.
Vítor Franco

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Chegou o n.º 2 da Revista de Cicloviagens


Chegou o n.º 2 da Revista de Cicloviagens. São 98 páginas de boa informação sobre variados aspetos das cicloviagens no mundo. Excelentes fotos, bons artigos e entrevistas. 
A Patagónia está em destaque nesta revista gratuita, se não pode ir visitá-la, leia a revista ;) 
A não perder!
Descarregue a revista clicando aqui.


quinta-feira, 22 de julho de 2021

Boas surpresas de bicicleta, ou, Santarém tem tanto a aprender!

 

Foto Elisabete Silva, Volta ao Ciclismo 

Na aproximação a Faro paro a um sinal vermelho, sim, porque as regras de trânsito também se aplicam aos ciclistas. Ao meu lado para um ciclista a sério (…) nota-se logo: magrinho, ombros de nadador, equipamento e bicicleta a sério…

Olho o sinal e vejo as horas, se chegasse rápido à estação de comboios talvez conseguisse apanhar ainda o intercidades para cima… Pergunto ao ciclista do Futebol Clube de Porto se sabe o caminho mais rápido para a CP, diz que sim e que me leva lá, pede-me para eu ficar na roda dele e lá vou eu em fila indiana tipo Volta a Portugal em Bicicleta…

Perdi o comboio por uns minutos, fico a falar com o ciclista, a cara não me era desconhecida, agradeço a boleia e ficamos à conversa. Obrigado Daniel Mestre, não é todos os dias que sou rebocado em “fuga ao pelotão” dos minutos por um atleta de topo do ciclismo nacional…

A conversa com o Daniel foi muito interessante. Nela percebi muito melhor a importância do trabalho de equipa no ciclismo e como é um trabalho mesmo difícil…

Gostei daquele tempo à conversa e de perceber como esta compreensão da equipa se aplica a tudo na vida – até no ciclismo!

Podia-se aplicar na política autárquica, toda ela centrada na figura de uma só pessoa: o presidente. Um bom presidente só o pode ser se tiver equipa e se souber líder dessa equipa. Um líder não é um patrão. Um líder deve trabalhar cooperando, fomentar o gosto pela terra, o dinamismo da comunidade, não só dos da sua equipa como também dos adversários – é por isso que no ciclismo a formação mais comum é o pelotão: é a formação onde todos ganham.

Todos vós conheceis como muitas espécies de aves voam em “pelotão”, como muitos cardumes agem em “pelotão” para se defenderem dos predadores, como muitos animais atravessam rios para se defenderem de crocodilos…

O líder de um município ou junta de freguesia pode encarar a oposição como um predador ou como um crocodilo, poder pode, porém, sofre de visão; quem não percebe que o predador é o atraso económico e o mal-estar da população.

Quando uma ou um líder reage em negação a qualquer proposta que tenha a palavra Esquerda não está a agir como líder político, mas como líder de alcateia em exasperação. Quando ideias positivas e soluções necessárias para que a terra seja de tod@s são rejeitadas – porque na assinatura tem a palavra Esquerda – é um líder fraco. Quando as ideias positivas são aprovadas nos fóruns democráticos e competentes, e o líder se recusa a aplicá-las é um líder ditador.

Um líder deve ser a personalização da construção democrática e não a do autoritarismo. Um líder pode parecer simpático e pagar grades de minis em festas – mas o desafio é fazer da democracia uma festa que se quer vivida por tod@s!

Vítor Franco

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Tomar a Bastilha

Por Jean-Pierre Houël - Bibliothèque nationale de France, Domínio público

A Tomada da Bastilha comemorou-se neste 14 de julho. Momento marcante na Revolução Francesa a revolta popular parisiense libertou os presos políticos da fortaleza.

A sublevação das gentes de baixo inspirou gerações de revolucionários em todo o mundo e marcou indelevelmente os diretos humanos colocando, no centro da política, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão assinada por Portugal e publicada em Diário da República.

A Declaração de 1789 dizia no seu artigo primeiro: “Os Homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”; a Declaração atual, adotada pela Organização das Nações Unidas em 1948 diz:

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”

Este princípio, com 232 anos, herdado da sublevação revolucionária está hoje sob ataque dos extremismos e conquistando apoios nos ódios da frustração ao regime capitalista realmente existente.

Hoje, em Portugal como no Mundo, crescem ódios que fomentam conflitos entre os de baixo para assim se proteger o poder dos de cima. Na Hungria, na Rússia, em vários países de extremismo religioso mascarado de muçulmano (…) perseguem-se as pessoas LGBT. Noutros, como na China, perseguem-se sindicalistas, jornalistas e democratas. Nos EUA discriminam-se negros numa loucura racista que teve o êxtase na presidência de Trump. No Brasil, o ódio à esquerda, lançado por corruptos em nome de um combate à corrupção, deu na presidência Bolsonaro e uma catástrofe gigantesca na saúde pública.

A tática é sempre a mesma: atacar e isolar os mais fracos ou os diferentes; a forma é sempre a mesma: sinalizar odiosa e insistentemente ciganos, negros, sindicalistas, pessoas LGBT (…); a meta é sempre a mesma: tornar exponencialmente visível as migalhas que caem da mesa do banquete dos poderosos para esconder o próprio banquete.

Cada vez que um mafioso das elites financeiras está a contas com a justiça, por nos roubar a todos, é renovada insistentemente a ladainha do RSI e das etnias! Tanta vez a mensagem é emitida que as pessoas acabam a acreditar numa perceção que não corresponde à realidade, como se uma árvore fosse a floresta. Tudo isto com a complacência de alguns órgãos de comunicação social que adoram sempre mais um bocadinho de notícias picantes e de sangue!

“…agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” é hoje um princípio revolucionário e aparentemente utópico no desvario do ego individual e da competitividade.
Vale a pena provocar-vos e chamar Léo Ferré à nossa conversa. Ele que também faleceu a um 14 de julho. Ele, que adoraria ter estado na conquista da Bastilha, ele, o poeta e cantor insubmisso que um dia cantou ao rio Sena e de lá roubo um pouco:

“Você não se importa se vivemos ou morremos
Você é mais burro do que uma ampulheta!
É normal, você é um personagem,
Seu lugar é feito sob o grande sol
Homens e você é tudo igual
Não há misericórdia que flutua
Você está enlameado em suas profundezas!”

É isso, que lhe pergunto: quer ficar enlameado nas profundezas ou quer tomar a conquista da Bastilha?

Vítor Franco

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Não podemos ignorar!




“Vemos, ouvimos e lemos

Relatórios da fome

O caminho da injustiça

A linguagem do terror”

Esta quadra, do poema “Cantata da Paz”, de Sophia de Mello Breyner, muito bem cantado por José Mário Branco, expressa bem a mensagem que quero partilhar convosco.

Recordei-me deste poema quando li a notícia do assassinato do jovem galego Samuel Luiz, de 24 anos. O Samuel foi morto na madrugada da última sexta-feira, “após espancamento brutal de um grupo de pessoas que gritava ‘bicha’, confirmado por testemunhas diretas do atentado”, relata o jornal espanhol Público.

Segundo o jornal Voz da Galicia os agressores, depois de uma primeira agressão, interrompida por outros jovens, proferiram insultos homofóbicos e “perseguiram a vítima para concretizarem uma segunda e mortífera agressão”.

Em Portugal, em 2019, o Observatório da Discriminação Contra Pessoas LGBTI recebeu 171 queixas de crimes de ódio contra pessoas LGBTQ+. “Ainda são frequentes os relatos de crimes violentos e homicídios motivados por LGBTQfobia e hoje grande parte das pessoas tem pelo menos um amigo ou amiga que já foi vítima dessa discriminação.”

Esta corrente de ódio, que está a ser expandida na Europa pela extrema-direita, tem no governo húngaro o ponta de lança institucional. A perseguição às pessoas LGBT que o governo e vários municípios húngaros desencadearam levou à reação generalizada das pessoas que defendem todas as pessoas. “Não há neutralidade na defesa dos direitos fundamentais”, como diz Fabíola Cardoso.

O presidente do Conselho Europeu tomou posição. Charles Michel condenou a homofobia e defendeu a defesa dos valores da União Europeia (UE). A presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, apelidou a lei húngara mascarada de “promoção da homossexualidade em menores de 18 anos” como “uma vergonha”. O parlamento europeu aprovou também uma moção contra as homofóbicas leis húngaras e quase só a extrema direita apoiou o governo húngaro. Por proposta do Bloco de Esquerda, o parlamento português também se colocou ao lado dos direitos humanos.

Assim, apresentei nesta Assembleia Municipal do dia 30 de junho, uma recomendação à Câmara Municipal para reforçar o já existente Plano Municipal de Combate à Discriminação em razão da Orientação Sexual, não só porque finda em dezembro mas também tem verbas irrisórias.

A recomendação reafirmava também:

“No nosso município de Santarém respeitamos a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição da República, assim:

a) Rejeitamos zonas de exclusão de pessoas e repudiamos a perseguição a pessoas LGBT;

b) No respeito democrático, reforçamos a mensagem de que o nosso município é uma Zona de Liberdade LGBT e de todas as pessoas, sem discriminações.”

A maioria conservadora do “parlamento municipal” votou contra; só 9 deputados se juntaram a mim e tiveram a coragem de votar a favor da recomendação “Respeitar os direitos humanos, rejeitar a perseguição a pessoas LGBT"!

Pelos vistos, respeitar a Constituição e respeitar Direitos Humanos são coisas difíceis de assumir em Santarém!

Agora, cada pessoa tire as conclusões que entender.

Vítor Franco

quinta-feira, 10 de junho de 2021

O José “Cuecas” e o ciclista


As pessoas mais consumidas pelo rolar incessante do relógio recordar-se-ão do Zé “Cuecas”.

Já o trouxe ao nosso diálogo numa crónica que pode ler aqui no Mais Ribatejo, nessa altura acompanhado de tantas outras recordações.

O Zé tinha uma pequena oficina ali na Rua dos Esteiros, quase paredes meias com a Ermida do Milagre sem que isso influenciasse a sua veia pouco católica.

Pois aqui o rapaz decidiu aprender a sapateiro, aprender foi sempre teima. Conversado com o mestre Zé lá comecei a tentar chegar-me à arte. Empenhado comprei algumas ferramentas: o pica pontos, a sovela e uma turquês de arrancar; o Zé arranjou-me uma faca de sapateiro. Ainda hoje, 44 ou 45 anos depois, guardo uma sovela e um pica pontos!

Fui tomando o jeito, apurando o gosto e aumentando a autoconfiança; mas o sapateiro em construção não chegou a ser um sapateiro construído. Famigerado dia aquele em que estando eu a colocar uma capas a faca me escapou e zás quase assassinou o sapato direito de uma senhorinha às direitas do nosso bairro do Pereiro. Pobre aprendiz… O Zé zurziu de tal modo que se deve ter ouvido na mercearia da minha saudosa mãe no Largo do Cemitério. Assim terminou um futuro brilhante na arte de bem confortar pés bonitos!

– Porque isto me veio à memória?

– Porque neste dia 8 de junho fiz a etapa Ferreira do Alentejo – Almodôvar, onde cheguei quase musgado, na minha viagem em bicicleta tomando a Estrada Nacional 2 em Montemor o Novo até Faro.

– Vocês sabem que Almodôvar é a terra dos sapateiros?

– Assim é, a terra chegou a ter dezenas de artistas na arte de bem calçar. Muitos estão retratados e as ferramentas de trabalho expostas no Museu Municipal Severo Portela. O museu é sóbrio mas tem história, cultura e identidade!

A visita foi um gosto e deu origem à partilha destas recordações com o jovem guia.

Partilho convosco estas notas de recordação e afeto, não só porque elas fizeram parte da aprendizagem deste ser humano, mas porque quero valorizar muito como é importante tornar presente as gentes e o passado que aqui nos trouxe.

Nesta terra, que gostamos, a cassete toca sempre igual. Com Moita a unilateralidade do tema tauromáquico esmagou tradições, culturas, percursos e vivências. Há uns anos a cassete virou ao lado B mas a música é igual, mesmo que o artista use outros acordes. Imensas memórias de gentes que construíram bonitas estórias da nossa história coletiva jazem em tumbas de silêncio.

Por isso, vale sempre a pena trazer cada pequena estória à memória coletiva porque é essa memória que constrói – na sua diversidade – a nossa história e identidade comunitária.

Aprendamos com Almodôvar!

Vítor Franco

terça-feira, 4 de maio de 2021

De bicicleta em Porto Santo, dia 1

Manhã cedo apanho o barco da Porto Santo Line. O Lobo Marinho é um barco agradável com tripulação simpática. A época é baixa e leva pouca gente, eu gosto mais assim.


A pouco e pouco vejo desaparecer a ilha da Madeira e a sua Ponta de S. Lourenço, local de bela caminhada. No horizonte o Ilhéu da Cal clama pelo grito “terra à vista”! Chegado ao porto, de Porto Santo, observo a saída de carros, camiões, motorizadas e gentes carregadas…

Deixo sair quase toda a gente, pego na mochila e desço. Tomo o mini autocarro com destino à vila, perdão cidade, mas Vila Baleira de seu nome. Desço na última paragem, observo… Idosos trocam conversa entre cigarros, uma empregada espera clientes à porta do café, vejo o posto de turismo e dirijo-me lá… O funcionário desentorpece, dá-me o mapa da ilha e pouco mais…

Procuro uma loja de bicicletas e alugo. Monto direto ao Inatel.

Lugar calmo numa já calma cidade com nome de vila, o Inatel fica às “portas” da praia da Calheta. Arrumo as coisas e dou um salto à praia de fama curativa.

O primeiro dia na bici, como lhe chamam os castelhanos, é para descobrir a Praia do Zimbralinho, voltar à estrada de “gravel” e rumar ao miradouro do Furado Norte, dali subir ao Pico do Espigão [uff, a bici ficou no caminho que era subir “a pique”], voltar ao alcatrão com destino ao Pico Ana Ferreira.

O acesso ao Zimbralinho estava cortado mas deu para uma boa “chapa”. É uma praia muito pequena mas bonita.

O miradouro do Furado Norte, na arriba costeira de Morenos, é um local muito bem tratado com umas vistas esplêndidas e com um bonito parque de merendas.


Do miradouro segui ao Pico Espigão. É um lugar muito interessante. Trata-se de “forma de relevo alongado que chega aos 270 m” tendo na sua “cumeeira um magnífico filão de rocha rara o mugearito”; um bocadito mais velho que eu: mais de 12,5 milhões de anos… Lá de cima vê-se a ilha dos dois lados.

Descendo o pico e tomando o alcatrão, segui à esquerda rumo ao campo de golf. Continuando tens acesso a uma formação geológica, de estrutura colunar prismática, a que chamam “Piano”. Segundo a descrição no local “as rochas encaixantes são depósitos vulcanoclásticos e lavas submarinas pertencentes à fase da montanha submarina”… A não perder!

É tempo de descer… Vai um mergulho na água quentinha na praia do Combro?

Vítor Franco

Pereiro, onde as casas morrem com as pessoas!

O bairro do Pereiro foi o da minha criação, assim diria a minha mãe. A senhora Alice tinha uma mercearia no Largo dos Capuchos, mais conheci...