sábado, 12 de agosto de 2023

Ruas cor de tijolo ou cor de sangue?




Percorro as ruas coloridas pelo tijolo “de burro”. A cidade, chamada de cor-de-rosa, tomada de sol ardente, tem cantos que surpreendem – alguns dos tempos da construção medieval. Aqui e ali surgem placas evocativas de gentes e acontecimentos passados.

A cidade e a região da Occitânia viveram talvez aquele que foi um dos primeiros massacres da história da Europa, o perpetuado pelas cruzadas da igreja católica romana sobre o povo cátaro. Como nem todas as pessoas eram do culto cátaro foi perguntado ao representante do Papa, Arnald-Amaury, como distinguir os hereges dos católicos leais e devotos. A resposta foi brutal: “Matai todos eles sem distinção de idades, sejam homens ou mulheres, Deus reconhecerá os Seus.”

Os tempos correram, dominada a região, conquistados os campos férteis e as passagens estratégicas dos Pirenéus, domesticado o povo da Occitânia e a sua língua…

A barbárie ainda haveria de revisitar a França e Toulouse em particular.

Invasão nazi da França, ocupação, assassinatos em massa, perseguições, governo traidor de Vichy…

Percorro as ruas…

Tomo o caminho do Museu da Resistência e da Deportação pelo magnífico Jardim das Plantas [imagens]. As obras da nova linha do metro obrigam a pequeno desvio.

Um pequeno monumento de colunas surge. Aparentemente insignificante uma pequena placa conta outra barbárie: a deportação de crianças judias para os campos de concentração, onde morreriam.

Percorro os nomes e as idades, uma das crianças só tinha três meses… Era Halpern, ela só tinha três meses; Elizabeth tinha seis meses; Gelenrten tinha dez meses… Várias crianças tinham um ano… Quarenta e oito crianças foram deportadas de Toulouse para os campos da morte…


A barbárie repetiu-se e poderá repetir-se! A barbárie tem sempre raízes no ódio e no racismo, seja contra quem for, e poderá chegar de novo!

A placa à entrada do Museu da Resistência e Deportação diz “A palavra resistir deve sempre ser conjugada no presente“.

Vítor Franco

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Uma noite em Lisboa



 
“A noite ia alta e o cais estava quase deserto. Já ali estava há algum tempo, quando reparei num homem que passeava ao acaso de um lado para o outro. Por fim parou e deixou-se ficar, olhando fixamente o barco, tal como eu… Não tardou que ouvisse passos atrás de mim…”.

A sugestão de leitura, que aqui partilho, foi escolha de debate num grupo literário. Não faço parte desse grupo, mas fui estimulado a vasculhar as entranhas dessa noite. Assim fiz. Fui à Biblioteca Municipal Braamcamp Freire e requisitei o livro de Erich Maria Remarque.

Nessa noite de 1942, em plena segunda guerra mundial, dois emigrantes alemães encenam uma estranha negociação. Um deles, um judeu perseguido pelo nazismo, conta uma história impressionante [impressionante é pouco] de resiliência e de amor. O outro ouve, a sua tarefa é só ouvir, a sua recompensa são dois bilhetes naquele barco que vai seguir para Nova York.

A narrativa do livro é aditiva, se assim se pode dizer. É quase impossível parar de ler, ou seja, parar de ouvir Schwarz – um homem que afinal não era Schwarz e foge do campo de concentração de Le Vernet [França] e decide resgatar a sua mulher em Osnabrück [Alemanha].

A narrativa trouxe-me à memória as visitas perturbantes aos campos de concentração de Dachau [Alemanha] e Mauthaussen [Áustria] aquando do meu percurso pelo rio Danúbio. Em Mauthaussen, tal como no campo onde é presa a mulher de Schwarz, as mulheres tinham também funções de escravas sexuais e uso e abuso do seu corpo por estranhos. O filme “O fotógrafo de Mauthaussen” é elucidativo.

Custa a crer como é possível que o ser humano atinja tão violento e degradante grau de desumanidade. Talvez não custe tanto a crer, basta começar por ver a indiferença geral, neste tempo, perante a morte de tantos milhares de imigrantes afogados no mar Mediterrâneo…

“– É bem possível que a nossa época venha a ser conhecida no futuro pelo Século da Ironia – observou Schwarz.”.

O que acontecerá ao personagem ouvinte de Schwarz e à mulher deste?

Fica a sugestão da leitura deste emocionante livro.

Vítor Franco

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O bairro do Pereiro foi o da minha criação, assim diria a minha mãe. A senhora Alice tinha uma mercearia no Largo dos Capuchos, mais conheci...