quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Estórias do Danúbio: a caixa de revistas pornográficas

Rio Danúbio tinha inundado as margens
Este foi talvez o dia mais engraçado versus peripécias:

1ª Estava em dormida solidária em Eching. Depois de dois dias de visita a Munique e Dachau chegou o dia de partir de bike rumo ao Danúbio. Estação de comboio de Eching: ops, não consigo tirar o bilhete para a bicicleta nas máquinas automáticas, alternativa tirar só bilhete para mim e sujeitar-me a multa se for apanhado… Penso: isto na Alemanha disciplinada é muito mal visto… Pois, volto a tentar noutra máquina, e noutra… Os comboios vão passando… Vou arriscar… Uff, safei-me…

2ª Na enorme estação de comboio de Munique estava uma “pilha” de gente. Pessoas, carros de bagagem e bicicletas passavam-me pela esquerda e pela direita, quase parecia a “medina de Marraquexe” eh eh eh, procuro um canto e fico a observar as pessoas, tento descobrir o WC, era ao fim das escadas… Uff, não vou descer isto com a bike… Aguentei… Começo a dar umas voltas pela estação: onde estaria a bilheteira? Foi fácil encontrá-la, esperava uma fila gigante mas os atendimentos eram muitos e fui logo atendido. Pedi um bilhete para Ingolstadt, a menina tinha dificuldade em entender mas lá foi. Bilhete para bicicleta e para mim, fez uma bola na hora de partida e no cais de embarque. Porreiro, penso, é fácil. Meia hora antes já estava no cais nº 2. O comboio chega e sai imensa gente, imensa gente começa a entrar… procuro o símbolo da bicicleta nas carruagens, não o vejo… Deixo as pessoas entrarem e vou tentar entrar com a bike. Ops… apitos incessantes… Uma funcionária exaltada apitava-me e ralhava comigo, em alemão claro. Claro está que percebia tudo eh eh eh, népias… Afinal aquele comboio não admitia bicicletas, mostro-lhe os bilhetes, era aquela hora, aquele cais e aquele comboio… Ralhou mais… Chegou-se um outro funcionário que me explicou então que teria de tomar outro comboio embora o destino fosse o mesmo, indicou-me o cais… A “apitadeira-ralhadeira” foi dar partida ao comboio… Mudei de cais, esperei… E eu sem urinar… Prendi a bike com cadeados num separador e fui aliviar a bexiga, uff, 

3ª Eram 13h, 12h de cá, tinha-me levantado às 6h de lá, a fome apertava. As bolachas de arroz e as bananas já estavam a cargo do suco gástrico há um tempo… Só estaria em Ingolstadt por volta da 14h… Conclusão: tinha de violar uma regra! Após aturada reflexão concretizo a violação: duas carcaças grandes com queixo, tomate, chourição, dois croissants e um sumo. Regra violada: estava a comer glúten… Mas um intestino sportinguista, mesmo intolerante, está habituado às dificuldades, aguentou…
O Danúbio em Ingolstadt
4ª Ingolstadt, saio do comboio, espero ver os passageiros sair para saber onde era a saída e lá vou. Finalmente comecei a pedalar, sigo a direção do rio, num cruzamento vejo uma senhora aproximar-se, ruiva, vejo uns olhos azuis muito brilhantes e umas pintinhas na cara, uff, ciclista sofre, uff, pergunto e indica-me o caminho, apanho o rio, Eurovelo 6 indica uma placa, perfeito, faço cerca de 20 kms, o canto das aves é permanente, passo por um grupo acampado junto ao caminho, todos de negro e com várias bandeiras negras de cruz celta muito usadas por grupos de extrema-direita, finjo que não os vejo, sigo, tiro o telemóvel e faço um direto no facebook para partilhar a beleza da natureza…

Central térmica
5ª Passo à central térmica de Irsching, tiro fotos e mando a amigos da EDP, por uma ponte passo para norte do rio e sigo por cima do dique, desço, fico entre o rio e um seu braço, paisagens lindas, mas o rio tinha subido antes e o caminho passou a lama, lama mais lama, empurro a bike sempre em frente, já nem mudanças metia, mas a lama haveria de acabar, assim foi em Hinheim, tento tirar o maior com um pau, consulto o mapsme, tinha um local de acampamento a uns 6 kms, pedalo, corto à esquerda e começo a subir, a subir por uma estrada estreita, uma avioneta aterra, afinal tinha-me enganado, fui parar a um aeródromo, volto para trás, apanho a estrada principal, mais à frente corto à direita, desço para a margem do rio, encontro uma quinta, a de Armin Trübswetter, não havia ninguém, nem um cão, chamo sem resultado, toco a campainha da bicicleta, nada, entro na quinta, procuro o local de acampamento, vejo um pequeno edifício de apoio em madeira com tomadas e torneiras, olho em frente: o rio tinha inundado o local, bbbzzzz, espero, nada, pego numa mangueira e lavo bem a bicicleta, ao fundo vejo três mulheres e um jovem na minha direção, espero, quando chegam perto de mim pergunto pelo local de acampamento, apontam para o local inundado e riem-se, e seguem, bbbzzzz, mandei-os dar banho ao cão em português, também não havia cão, só ouvia umas vacas, bati a uma porta da casa grande, ninguém responde, nem cão…

6ª Recomeço a pedalar, subo para retomar a estrada principal de novo, no cruzamento encontro um casal em bicicletas, deveriam estar na casa dos 50 anos, deviam ser de perto pois nem água traziam, riam muito a ver uma revista, chego perto, olho, estava um caixote cheio de revistas pornográficas no chão, riam-se, demoraram a dar por mim, riam-se, quando dão por mim meto conversa, sou português, começo sempre assim: “sou português e não sei bem a língua alemã”, deixam de rir, explico de onde vinha e pergunto por um parque de campismo, simpáticos explicam, só tinha que seguir até Essing e cortar à esquerda até encontrar um parque. Retomo a pedalada, sempre a subir, floresta de um lado e outro, mal sabia eu que no dia a seguir a teria de subir à mão por trilhos de lama(...)



e arvoredo fechado, 


começo a descer e corto à esquerda para Essing, continuo pedalando, não vejo o parque de campismo, volto para trás, deveria ter entrado entre o rio Naab e um seu canal, apanho o trilho e chego ao camping de Landgasthof Kastlhof. 

7ª Um lugar paradisíaco. Monto a tenda, tomo um banho, como um excelente jantar no restaurante, descontraio junto ao rio, dormi bem. O dia tinha sido engraçado!

Pereiro, onde as casas morrem com as pessoas!

O bairro do Pereiro foi o da minha criação, assim diria a minha mãe. A senhora Alice tinha uma mercearia no Largo dos Capuchos, mais conheci...