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sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Porquê uma viagem pela Escócia em bicicleta?


Chegada, bicicleta depois de montada.

Este artigo aborda a minha paixão pelas viagens em bicicleta e o porquê da escolha da Escócia. A opção traz consigo a escolha pelo minimalismo e pela autossuficiência na viagem por razões de conceito e económicas, que mais à frente abordo com as relacionadas à dormida e à comida.

Muitas pessoas perguntam se não tenho medo, costumo responder que o lugar mais perigoso é Santarém onde me roubaram um carro e agora a bicicleta de viagens e BTT. É claro que é preciso planeamento e preparação sobre a própria bicicleta, o percurso e visitas, as finanças, os hábitos e culturas, a saúde… Deixo ainda algumas sugestões preventivas à viagem.

Por fim, deixo-vos as minhas lindas imagens [gaba-te cesto roto que amanhã vais para a vindima J] e relatos diários – por link – dos 27 dias em viagem na Escócia.

Esta viagem foi uma realização pessoal. Também foi mais difícil porque comecei por fazer a maratona sem fazer recuperação posterior e porque apanhei muitos ventos contrários apesar de estar pensada para assim não ser.

Convido-vos a entusiasmarem-se!

1. Porquê a opção de viajar em bicicleta?

A cicloviagem é, para mim, um ato cultural. A deslocação é lenta, económica, propiciadora de contato e socialização com as vivências e comunidades locais. A mobilidade em bicicleta propicia o acesso e o conhecimento de locais e belezas só assim acessíveis. Cicloviante é um conceito e até uma identidade!

Cicloviajar implica previamente um esforço de reflexão, concentração, método e planeamento mínimo. Cicloviajar é uma forma de viagem que é independente do dinheiro da pessoa, embora lento é muito mais barato. Há um conjunto de conceitos culturais e solidários que se materializam, por exemplo, na rede mundial de ciclistas warmshowers. Apoio em dormidas e até comida, ajuda em itinerários ou dificuldades a enfrentar… Na preparação da volta à Escócia eu recebi dezenas de propostas e sugestões de cicloviajantes escoceses.

A mobilidade lenta tem impactos positivos nos lugares que se visita. Mais tempo de permanência na região, maior consumo de bens e serviços locais, mais ecológica, favorece o contato entranhado com a natureza, a proximidade e a diversidade das economias locais em vez das ondas [“bate e volta”] do turismo de massas. Esta forma lenta de viajar também impacta positivamente na necessidade de melhores transportes públicos locais, no comércio local, nos vários serviços incluindo os públicos, na fixação de pessoas no interior e locais mais despovoados.

Nas minhas cicloviagens procuro frequentar os eventos locais, as manifestações sindicais, as festas, os atos culturais e alguns desportivos e religiosos [sendo ateu], procuro conviver com a população. Daí vêm histórias maravilhosas e inesquecíveis.

"O violinista rústico", óleo sobre tela, autor provável: Adriaen van Ostade, 1640, museu de Edimburgo.

2. A opção de fazer a Escócia em bicicleta.

A Escócia é daqueles países que está na nossa imaginação romântica. A simpatia do povo, as paisagens e cenários idílicos popularizados pelo cinema, a música, a cultura, uma realidade de um país com língua própria [o gaélico escocês] que foi dissolvida pela língua do país que o dominou [o inglês].

A Escócia é possuidora de uma identidade e culturas fortes, votações maioritárias em partidos republicanos e independentistas – mas que rejeitou a independência em referendo e onde a monarquia ainda tem peso.

Além da sua beleza, a geografia multifacetada da Escócia permite-nos intercalar circuitos em bicicleta [trilhos ou estradas] com bons e belos passeios de comboio [como o popularizado viaduto de Glenfinnan pelo filme de Harry Potter] e viagens de ferry entre ilhas também muito prazerosas.

O facto de já ter inscrição para a maratona de Edimburgo ajudou na escolha. Correria a maratona e faria depois a volta em bicicleta.

Exemplo das casas antigas da Escócia.

3. A opção pelo minimalismo e autossuficiência.

A opção pelo minimalismo decorre de vários fatores: uso apenas de materiais necessários e multifuncionais, diminuição do peso a transportar na bicicleta, cultural – não consumista – e poupança de dinheiro. A opção pelo minimalismo também significa boas escolhas de materiais, equipamentos técnicos, roupas técnicas (…) por regra mais caros.

a) Dormida. Não dormi uma única das 27 noites em hotel, estes tinham custos de 130 e 140 euros. A opção foi a compra de um saco cama zero graus, uma tenda capaz de suportar forte pluviosidade e vento, alforges impermeáveis. Mesmo comprando materiais caros acabei poupando imenso dinheiro. O saco cama custou 170€, o colchão insuflável 40€, a almofada 5€, a tenda [Husky extreme-flame-2-green] 235€…

Dado o cansaço da jornada é importante ter uma boa dormida, dada pela boa capacidade dos equipamentos em resistirem ao mau tempo, garantirem um mínimo de conforto, garantirem fiabilidade na viagem. Recomendo a tenda Husky por várias razões: a montagem começa pelo teto o que permite montar o interior em seco mesmo que esteja a chover, provou ser impermeável em quase 40 horas de temporal e tem um desenho ergonómico para melhor resistir ao vento. Dormi 3 noites em hostel [média de 20 libras cada], 1 em caravana emprestada, 8 em casa de amigos da rede de ciclistas warmshowers, 2 em terrenos e 12 em campismo [média e 13 libras] e 1 no aeroporto.

b) Comida. A regra foi comprar comida em supermercados e fazer as minhas refeições. Umas 5 refeições foram em restaurante ou tasca de comidas típicas. Tive 8 jantares oferecidos pelos amigos. O fogão, 20€, foi comprado cá, pequenino e prático; A louça mais simples, 10€; botija de gás comprada na Escócia, 8€, pois não é permitido em aviões. A grande dificuldade foi conseguir comer sem glúten, pois sou intolerante. O meu “grande aliado” foi o arroz pré-cozinhado que pela Escócia se vende muito em refeições pré-feitas. Beber água é ainda mais importante para quem só tem um rim, 3 litros por dia era o normal. Aqui exagerei na prevenção: o filtro de água e os comprimidos de desinfeção nunca foram necessários.

Preparando o almoço.


4. Planeamento e preparação.

Cria uma folha word, com texto e hiperligações, para planeamento.

a) A bicicleta. Uma das coisas boas das viagens em autossuficiência é o planeamento, começas a viajar antes mesmo de começar. No caso de uma viagem em bicicleta tens de ter o conhecimento fundamental de como reparar as principais avarias e transportar contigo materiais e equipamentos de reparação mínimos. A viagem cria sempre avarias – isso não é um azar, é um desafio ao teu autodomínio e capacidade. Faz uma lista de equipamentos e materiais para teres controlo sobre a preparação. Na viagem, todos os dias é preciso olhar a bicicleta a ver se está tudo bem. Se a levares no avião vais precisar de pagar e embalar protegida [pressão reduzida nos pneus, volante e roda da frente desmontada, desviador e mudanças muito bem protegidas], para lá eu costumo pedir caixas de papelão nas lojas de bicicleta, para cá faço igual – verifica sempre se no aeroporto de retorno há ou não venda de caixas. Tira fotos à bicicleta, ao autocolante com o código de barras do quadro, ao recibo de compra [se tiveres] e manda tudo para o teu próprio email. Estuda o melhor cadeado que podes ter juntando uma corrente que prenda também a roda dianteira e o selim. Usa uma preferencialmente bicicleta simples e minimamente robusta, quanto mais técnica mais problemas com difícil solução. Antes de ir faz revisão geral.


b) Percurso e visitas. Descarrega o mapa do destino para o teu telemóvel em duas aplicações, eu uso Google maps e mapsme que podem ser usadas em offline. Na Escócia nem cheguei a usar o gps. O Google maps foi muito útil, por exemplo, em encontrar os lugares, as empresas de ferrys e poder telefonar de imediato. Ter uma redundância ajuda a que se uma aplicação falhe tens a outra, no fundo acabam por ser complementares. Nelas podes marcar os pontos a visitar com “alfinetes” o que te vai ajudar a ires ajustando o teu plano de viagem conforme ela decorrer e como quiseres priorizar. Deixa o teu espírito aberto a novas possibilidades e, acredita, vais ter coisas que não vais conseguir ver. Mesmo que não pretendas usar transportes públicos faz um mínimo de recolha de informação sobre eles e coloca na folha de planeamento básico. Nunca se sabe se mudas os planos, se decides tomar um comboio, um barco, um autocarro. Eu tinha assinalado de 185 pontos de interesse, claro que teria de lá estar seis meses para os ver… Tem em atenção a forma como se fazem pagamentos de transportes varia de país para país, por exemplo, na Escócia os autocarros são normalmente pagos em cartão, com o telemóvel ou dinheiro sem direito a troco.

Ilha de Arran

c) Finanças. Eu abri uma conta no Revolut. Recebe-se um cartão físico e a conta é controlada na aplicação do telemóvel. Faz-se um pagamento e recebe-se de imediato uma notificação. A conta básica, a que eu tenho, é gratuita e muito fiável. É de carregamento prévio, e podes ter contas em moedas diferentes. Ao ter criado um depósito em libras poupei muito dinheiro nos pagamentos na Escócia pois não pagava taxas de conversão. O carregamento pode ser feito usando um cartão de crédito virtual que também podes criar na tua aplicação bancária, transferência Nib ou MBway. A perda da carteira na Escócia ficou-me de lição: a partir daí dinheiro, passaporte e cartões vão numa bolsinha pendurada ao pescoço e por dentro da tshirt. Tenta fazer um orçamento de viagem para que te possas orientar com alguma segurança.

Monte Quiraing

d) Hábitos e culturas. É útil fazer-se previamente uma pesquisa sobre as culturas e hábitos locais. Uma coisa que aqui é insignificante num outro país pode até ser uma ofensa. Rapariga no Brasil é um insulto, na Alemanha [e não só] os sapatos ficam sempre à porta de casa [tal como numa mesquita]… Nessa pesquisa encontrarás festas típicas de cada região, comidas, jogos tradicionais e até línguas, povos ou cultos religiosos diferenciados. Experimenta comparar o euskara com o castelhano J, no sul de França há aldeias onde muitos idosos ainda sabem falar o occitano, região que teve forte presença da religião cátara [milhares dos seus fiéis foram queimados em piras humanas, nas praças públicas, pelos seguidores da igreja católica romana]. Apesar da intolerância ao glúten eu tento sempre provar comidas típicas, a gastronomia também faz parte da cultura e muitas vezes reflete aquilo que cada povo pode cultivar e produzir.

"O rei do Glen", famoso quadro de Edwin Landseer, 1851

e) A saúde. A primeira sugestão é tirar o cartão europeu de saúde, é gratuito. Por prevenção fiz um seguro de viagem [80€] que não foi necessário e quando perdi a carteira remeteram contato para o dia seguinte [por mim foi o último contrato]. Levei um mini estojo de primeiros socorros e os medicamentos devidamente acondicionados em frascos estanques. Sugiro que quando viaje leve sempre cópias das suas receitas em papel, não só porque as nossas receitas em sms só funcionam cá como, pode necessitar das receitas nos aeroportos para provar o transporte dos medicamentos ou ainda numa farmácia se precisar de os comprar. Eu levo também uma cópia das vacinas tomadas. Há países onde é necessário ou recomendado vacinas específicas, vale mais prevenir do que remediar.

Ilha de Skye, em dia de chuva, nevoeiro e vento.

f) Sugestões preventivas. Eu sugiro várias coisas. Inscrever-se no site do registo viajante / site do Portal das Comunidades, ver os seus conselhos para o seu destino e registar a viagem, ter todos os teus principais documentos digitalizados e com acesso num seu email, na folha de planeamento ter os contatos da embaixada e consulados, contatos do banco para perda de cartões, números locais de saúde e polícia. Sugiro ainda, principalmente em países mais “problemáticos”, usar preferencialmente uma cópia a cores do passaporte tendo este em lugar seguro. Uma das coisas que faço sempre é procurar grupos de facebook daquele destino [tipo Portugueses na Escócia, Brasileiros na Itália…] e pedir-lhes previamente informação de dúvidas; isso pode ser muito importante nomeadamente em ligações de transportes, melhores formas de sair do aeroporto, custos e muito mais coisas. O meu micro blogue tem muitas ligações para sites úteis, de qualquer modo sugiro a consulta do site Rede Brasileira de Blogues de Viagem que é muito bom.

Como uma lenda se torna uma atração turística de massas.
 
5. Imagens e relatos diário de 27 dias em viagem na Escócia.

Nas viagens não levo computador para reduzir os pesos ao mínimo. Os meus relatos diários são fotografados e escritos por telemóvel e narrados no facebook, embora dê perda de qualidade na imagem e no texto. Aqui ficam as ligações:

Castelo Dunnottar.

Clique em baixo nas hiperligações em texto colorido / sublinhado para ver lindas imagens [digo eu] e relatos de viagem:

Dias de maio

24, a chegada a Edimburgo, montar a bike; 25, imagens das ruas e o excelente Museu Nacional da Escócia, Edimburgo; 26, Stirling e viva o ventinho (…) mas que bem se está; 27, enamorado por dama escocesa casei com ela, fui nomeado rei e decretei a independência da Escócia; 28, Stirling – Edimburgo, comboio e bike ao encontro dos leões portugueses; 29, a festa na maratona e os meus tempos; 30, Kelvingrove Art Gallery, Glasgow; 31, museu de transportes de Glasgow.

Dias de junho

1, o primeiro ferry; não se estranha, “osmose” nas belezas da natureza; 2, da cascata de Glen Rose à “subidinha” do glaciar North Glen Sannox, delícia de sentidos; 3, da visita aos monumentos arqueológicos de Dunchraigaig às festas do jubileu da rainha; 4, a história do ursinho verde na chegada a Oban; 5, o único aeroporto do mundo numa praia; 6, as focas que afinal são lontras e o museu da história da sociedade da Ilha sul de Uist; 7, Uist nas ilhas Hébridas Exteriores, não há árvores que o vento dá cabo delas; 8, o lindíssimo monte Quiraing [só custa a subir], as quedas de água Kilt Rock e subir a montanha de novo, agora a pé para ir visitar The Old Man of Storr, ilha de Skye; 9, ventania e chuva desde Portree, ilha de Skye; 10, de Mallaig a Fort Williams pelo viaduto de Glenfinnan; 11, na linda Glen Nevis em chuva permanente; 12, Fort Augustus e Lago Ness; 13, rota 78 [Caledónia], as quedas de água Falld of Foyers e o “Great Glen Ways”; 15, o lugar pré-histórico de Clava Cairns, o lendário campo de batalha de Culloden Battlefield e fazer almoço em vida de cicloviajante; 16, conquistei o Castelo Dunnottar; 17, o belo passeio em Dundee; 18, avarias e surpresas boas em Falkland e St. Andrews; 19, quando te convidam a dormir num "quarto" de vidro dentro de um grande jardim paradisíaco; 20, de bicicleta para o aeroporto com papelões em carga; 21, a história da carteira perdida.

Outras histórias:

Como se fazem parques gratuitos de bicicletas; a proteção de crianças na estrada; medidas de diminuição de velocidade e favorecimento da bicicleta em meio urbano; os passing place – “devagar se não bates”; mapa final do roteiro.

Qualquer ajuda necessária disponha.

"Viajar é a única coisa onde se gasta dinheiro, e te torna mais rico."

Vítor Franco

A famosa ponte que liga a Edimburgo, património mundial da humanidade.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Volta à Escócia


A volta à Escócia de maio e junho foi uma viagem maravilhosa. Talvez por isso tenho tido dificuldade em encontrar a melhorar maneira em partilhá-la convosco.

Optei por um texto que resume "tudo" e tente ser motivador para quem não viajou ainda em bicicleta.

Em breve cá estará.

monte Quiraing

Inverness

casa típica no campo de batalha de Culloden Battlefield

Castelo Dunnottar

Vítor Franco

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Para abrir o apetite. Canal du Midi 2

O Canal du Midi é uma excelente viagem para se fazer de bicicleta, de barco ou até a pé. Quem não puder, pode fazê-lo de carro mas fica privado de muita beleza.
Percorrer o canal é também uma visita à história dos cátaros e ao seu extermínio pelas invasões das cruzadas da igreja católica romana, à fuga de centenas de milhares de republicanos espanhóis dos assassinatos em massa feitos pelas tropas de Franco, à história e à beleza de Toulouse, Carcassonne, Séte...
Percorrer o canal é perceber como uma excelente ideia do século XVII pode ser hoje património mundial e um exemplo da proteção da natureza e do turismo sustentável.
Nas próximas publicações detalharemos as belezas...
À saída de Toulouse




O Canal passa por cima do rio






Outubro de 2021
Vítor Franco

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

De bicicleta pelas aldeias avieiras


Porto na aldeia da Palhota, foto [e bicicleta] de Vítor Franco
Um passeio de bicicleta pode ter o privilégio de ser uma comunhão de desporto, cultura e contato com a natureza. Há um pequeno percurso que assim o é: ligar a aldeia de Caneiras ao Porto da Palha.
Percurso plano, fácil, ao longo do dique que protege povoações e terras das cheias que já quase desapareceram, perscrutarmos a fertilidade da terra e a infertilidade do rio Maior / Vala Real de um lado e do outro o Rio Tejo.
O percurso é hoje comum ao Caminho de Santiago pelo que oportunidades para uma boa conversa não faltam.
Crédito de foto: Associação de Amigos das Caneiras
Caneiras e Porto da Palha são algumas das aldeias avieiras da região e é sempre um prazer visitá-las e trocar uns dedos de conversa com as pessoas mais idosas.

Foto de Caneiras, crédito no site Associação de Amigos das Caneiras

Porto da Palha, Foto [e bicicleta] de Vítor Franco
As aldeias têm origem na migração dos pescadores da Vieira de Leiria que procuraram no Tejo o sustento que o mar bravio da costa Oeste lhes negava no inverno. Aqui chegavam contornando a costa de barco e subindo o rio ou transportando este em carroças. Aqui chegavam com “um pouco de quase nada”, convocados pelo sustento de um rio que lhes mataria a fome… Vivenciando no barco todas as necessidades humanas, o povo avieiro foi um exemplo de um querer humano ímpar…

Créditos de Foto: Maria de Lurdes Farinha, peça de teatro "Gente do nosso pano" de José Gaspar
Os parcos meios financeiros que foram conseguindo permitiram-lhes fixarem-se, em inícios do século XIX, na borda-rio em casas palafíticas e aldeias de forte carga identitária.
Neles se inspirou um grande escritor português: Alves Redol. Médico de formação, escritor de paixão, cedo partilhou as vivências de um povo pobre numa região a que foi dado o nome de Ribatejo. Entre lezírias inundáveis, um bairro mais “industrializado” e uma charneca de grandes propriedades o Ribatejo foi inspiração multifacetada para um escritor expoente do neo-realismo.


Capa de livro, editora Bertrand
Imbricado com a vida do povo, vivendo com ele como o fez na aldeia da Palhota para escrever Avieiros, Alves redol sofreu a repressão e a prisão fascista mas deixou-nos imensas estórias que fazem uma história maravilhosa dos povos, culturas e vivências do Ribatejo. Estas culturas plurais, que tornam o mito “toureiro / campino / forcado” uma minudência, podem ser recordados em viagens de bicicleta.
Aqui, o objetivo é convocar a vossa curiosidade para o passado e o presente. Documentários, fotos e links para sites ajudar-te-ão a um olhar de prazer e admiração.
Clique em ler mais e "delicie-se".
Vítor Franco



quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Estórias do Danúbio: a caixa de revistas pornográficas

Rio Danúbio tinha inundado as margens
Este foi talvez o dia mais engraçado versus peripécias:

1ª Estava em dormida solidária em Eching. Depois de dois dias de visita a Munique e Dachau chegou o dia de partir de bike rumo ao Danúbio. Estação de comboio de Eching: ops, não consigo tirar o bilhete para a bicicleta nas máquinas automáticas, alternativa tirar só bilhete para mim e sujeitar-me a multa se for apanhado… Penso: isto na Alemanha disciplinada é muito mal visto… Pois, volto a tentar noutra máquina, e noutra… Os comboios vão passando… Vou arriscar… Uff, safei-me…

2ª Na enorme estação de comboio de Munique estava uma “pilha” de gente. Pessoas, carros de bagagem e bicicletas passavam-me pela esquerda e pela direita, quase parecia a “medina de Marraquexe” eh eh eh, procuro um canto e fico a observar as pessoas, tento descobrir o WC, era ao fim das escadas… Uff, não vou descer isto com a bike… Aguentei… Começo a dar umas voltas pela estação: onde estaria a bilheteira? Foi fácil encontrá-la, esperava uma fila gigante mas os atendimentos eram muitos e fui logo atendido. Pedi um bilhete para Ingolstadt, a menina tinha dificuldade em entender mas lá foi. Bilhete para bicicleta e para mim, fez uma bola na hora de partida e no cais de embarque. Porreiro, penso, é fácil. Meia hora antes já estava no cais nº 2. O comboio chega e sai imensa gente, imensa gente começa a entrar… procuro o símbolo da bicicleta nas carruagens, não o vejo… Deixo as pessoas entrarem e vou tentar entrar com a bike. Ops… apitos incessantes… Uma funcionária exaltada apitava-me e ralhava comigo, em alemão claro. Claro está que percebia tudo eh eh eh, népias… Afinal aquele comboio não admitia bicicletas, mostro-lhe os bilhetes, era aquela hora, aquele cais e aquele comboio… Ralhou mais… Chegou-se um outro funcionário que me explicou então que teria de tomar outro comboio embora o destino fosse o mesmo, indicou-me o cais… A “apitadeira-ralhadeira” foi dar partida ao comboio… Mudei de cais, esperei… E eu sem urinar… Prendi a bike com cadeados num separador e fui aliviar a bexiga, uff, 

3ª Eram 13h, 12h de cá, tinha-me levantado às 6h de lá, a fome apertava. As bolachas de arroz e as bananas já estavam a cargo do suco gástrico há um tempo… Só estaria em Ingolstadt por volta da 14h… Conclusão: tinha de violar uma regra! Após aturada reflexão concretizo a violação: duas carcaças grandes com queixo, tomate, chourição, dois croissants e um sumo. Regra violada: estava a comer glúten… Mas um intestino sportinguista, mesmo intolerante, está habituado às dificuldades, aguentou…
O Danúbio em Ingolstadt
4ª Ingolstadt, saio do comboio, espero ver os passageiros sair para saber onde era a saída e lá vou. Finalmente comecei a pedalar, sigo a direção do rio, num cruzamento vejo uma senhora aproximar-se, ruiva, vejo uns olhos azuis muito brilhantes e umas pintinhas na cara, uff, ciclista sofre, uff, pergunto e indica-me o caminho, apanho o rio, Eurovelo 6 indica uma placa, perfeito, faço cerca de 20 kms, o canto das aves é permanente, passo por um grupo acampado junto ao caminho, todos de negro e com várias bandeiras negras de cruz celta muito usadas por grupos de extrema-direita, finjo que não os vejo, sigo, tiro o telemóvel e faço um direto no facebook para partilhar a beleza da natureza…

Central térmica
5ª Passo à central térmica de Irsching, tiro fotos e mando a amigos da EDP, por uma ponte passo para norte do rio e sigo por cima do dique, desço, fico entre o rio e um seu braço, paisagens lindas, mas o rio tinha subido antes e o caminho passou a lama, lama mais lama, empurro a bike sempre em frente, já nem mudanças metia, mas a lama haveria de acabar, assim foi em Hinheim, tento tirar o maior com um pau, consulto o mapsme, tinha um local de acampamento a uns 6 kms, pedalo, corto à esquerda e começo a subir, a subir por uma estrada estreita, uma avioneta aterra, afinal tinha-me enganado, fui parar a um aeródromo, volto para trás, apanho a estrada principal, mais à frente corto à direita, desço para a margem do rio, encontro uma quinta, a de Armin Trübswetter, não havia ninguém, nem um cão, chamo sem resultado, toco a campainha da bicicleta, nada, entro na quinta, procuro o local de acampamento, vejo um pequeno edifício de apoio em madeira com tomadas e torneiras, olho em frente: o rio tinha inundado o local, bbbzzzz, espero, nada, pego numa mangueira e lavo bem a bicicleta, ao fundo vejo três mulheres e um jovem na minha direção, espero, quando chegam perto de mim pergunto pelo local de acampamento, apontam para o local inundado e riem-se, e seguem, bbbzzzz, mandei-os dar banho ao cão em português, também não havia cão, só ouvia umas vacas, bati a uma porta da casa grande, ninguém responde, nem cão…

6ª Recomeço a pedalar, subo para retomar a estrada principal de novo, no cruzamento encontro um casal em bicicletas, deveriam estar na casa dos 50 anos, deviam ser de perto pois nem água traziam, riam muito a ver uma revista, chego perto, olho, estava um caixote cheio de revistas pornográficas no chão, riam-se, demoraram a dar por mim, riam-se, quando dão por mim meto conversa, sou português, começo sempre assim: “sou português e não sei bem a língua alemã”, deixam de rir, explico de onde vinha e pergunto por um parque de campismo, simpáticos explicam, só tinha que seguir até Essing e cortar à esquerda até encontrar um parque. Retomo a pedalada, sempre a subir, floresta de um lado e outro, mal sabia eu que no dia a seguir a teria de subir à mão por trilhos de lama(...)



e arvoredo fechado, 


começo a descer e corto à esquerda para Essing, continuo pedalando, não vejo o parque de campismo, volto para trás, deveria ter entrado entre o rio Naab e um seu canal, apanho o trilho e chego ao camping de Landgasthof Kastlhof. 

7ª Um lugar paradisíaco. Monto a tenda, tomo um banho, como um excelente jantar no restaurante, descontraio junto ao rio, dormi bem. O dia tinha sido engraçado!

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Cheguei, cheguei :) Plaza de Obradoiro, Santiago de Compostela, Galiza

Numa das cidade mais belas do mundo. Cheguei a 30 de abril 2019. 
Já cá cantam: Caminho Português Central, Caminho da Costa, Caminho Francês desde Burgos, Caminho Lebaniego e Caminho do Norte de Irun a San Vicente de la Barquera.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

A beleza das aldeias da Serra de S. Macário

A cerca de 10km de S. Pedro do Sul, localidade possuidora das mais frequentadas termas de Portugal, está a Serra de S. Macário. No seu ponto mais alto, o Alto de S. Macário, a serra atinge os 1052m.
Conta a lenda de S. Macário que um filho matou seu pai por acidente. Com desgosto refugiou-se no cume da serra alimentando de "ervas e gafanhotos, ganhando assim fama de santo", o que levou a que fosse erguida a ermida de S. Macário e a uma romaria no fim de julho.
É uma zona privilegiada para o contato com a natureza e com algumas famosas e lindas aldeias de xisto e ardósia, mas semi-abandonadas: Fujaco, Pena, Açores e Drave esta já do concelho de Arouca.
Atingida por fogos que [se propagaram rapidamente devido à eucaliptização indiscriminada] devoraram vida selvagem, plantas e floresta autóctone [carvalho-alvarinho, nogueira, sabugueiro, choupo-negro, salgueiro cerejeira, castanheiro...] e dificultaram ainda mais as vidas das envelhecidas populações. A serra resistiu e conserva uma beleza assinalável.
Passe uma semana nas termas e faça uma visita à serra e a Viseu.
Links úteis: http://www.termas-spsul.com/ ; roteiros: https://www.evasoes.pt/fim-de-semana/sao-pedro-do-sul-roteiro/ , http://montanhasmagicas.pt/pt/onde-ir/municipio-municipio/sao-pedro-do-sul/sao-pedro-do-sul-principais-atracoes/ , https://www.viamichelin.pt/web/Sitios-Turisticos/Sitios-Turisticos-Sao_Pedro_do_Sul-3660-Viseu-Portugal , http://visitviseu.pt/ ; Aldeia da Pena: http://www.aldeiasportugal.pt/sobre/57/#.W0i9KGrwZOQ ; Aldeia de Drave: http://www.cm-arouca.pt/portal/index.php?Itemid=129&id=25&option=com_content&task=view
Aqui ficam algumas fotos:

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Notas republicanas no molhado Caminho do Norte a Santiago de um estado monárquico

Hendaye é País Basco (Euskal Herria), quer dizer, o lado basco do estado francês quando passamos o rio Bidasoa depois da basca Irun. Irun está do lado monárquico, o espanhol; Hendaye está do lado republicano, o francês.
É toda uma diferença. Ora vejam estas fotos:





Pereiro, onde as casas morrem com as pessoas!

O bairro do Pereiro foi o da minha criação, assim diria a minha mãe. A senhora Alice tinha uma mercearia no Largo dos Capuchos, mais conheci...