segunda-feira, 18 de março de 2024

Crónica de uma corrida



A caminhada ou a corrida na natureza propiciam momentos prazerosos e úteis à saúde física e psíquica. O trail, palavra inglesa que se normalizou no mundo para significar prática em trilho, é também uma prática em que as e os atletas competem de forma muito mais saudável. Vejamos.

O contato com a natureza induz a necessidade da sua proteção, cria a sensibilidade para a sua defesa e cria uma relação quase biunívoca na qual o atleta precisa da natureza para a sua prática desportiva e a natureza precisa do atleta para a sua preservação. Deixar lixo pelos trilhos significa a eliminação do atleta.

Recentemente, a equipa a que pertenço, os Desafios Positivos D+, organizou uma recolha de lixo nas encostas e acessos à cidade, uma atividade também conhecida pelo anglicismo de plogingg. Infelizmente foram dezenas os sacos de lixo que enchemos, prova de uma população que não se respeita a si própria e de uma autarquia que prima pela debilidade nesse trabalho.

No trail a competição é muito mais saudável. Se alguém cai e precisa de ajuda, alguém vai ajudar de imediato, se alguém precisa de água ou alimentação partilha-se, se alguém se engana no caminho [como me aconteceu neste domingo por duas vezes] alguém vai a correr chamando quem se enganou. Neste domingo eu e as pessoas que não me deixaram ir por trilhos errados passámos a meta de mãos dadas!

No trail as corridas acabam em almoço convívio e várias vezes em baile. A festa suplanta o cansaço e as pernas ganham subitamente novas energias.

As pessoas participam sabendo que, regra geral, não têm prémios monetários. O prémio mais pretendido é a medalha de finisher, a pessoa conseguiu terminar. Mesmo os prémios de pódio são normalmente simbólicos em pequenas medalhas de madeira.

No caso da prova do passado sábado, o Corvus Trail foi uma ótima organização da equipa COA – Clube de Orientação e Aventura. Os trilhos imbricaram-se nas matas, bordejaram rios e ribeiras, o som da água e dos pássaros saudavam-nos e diminuíram o nosso esforço. Milhares de belíssimas flores de esteva “fugiam” dos eucaliptos e partilharam connosco as encostas semiáridas. O branco, o roxo, o amarelo e o verde pintaram encostas, aqui e ali ainda surgindo o negro de restos rasteiros de árvores calcinadas.

O equinócio da primavera está à porta, que seja um incentivo para caminhar com os Desafios Positivos. Todas as quintas, pelas 19h30, partimos da nossa sede [os D+ são uma equipa da SRO Santarém] para caminhar. A natureza espera por si!

Vítor Franco


sexta-feira, 15 de março de 2024

Vencer o medo!


A história começa com um telefonema…

– Está, Vítor?

– Sim, olá amigo…

– Tenho uma proposta a fazer-te, podemos tomar um café?

– Claro, [café marcado, nós portugueses fazemos quase tudo à mesa] lá estarei.

Chegado ao dia, lá estou. Cumprimentos de bons amigos e chegámos ao tema:

– A 17 de março de 2014 faz 100 anos que foi criada a primeira central sindical portuguesa, a União Operária Nacional, e foi aqui em Tomar, diz-me…

Como foi possível eu ter-me esquecido, pensei. Bem, afinal todas as pessoas e entidades se esqueceram: a CGTP, a UGT, a Câmara Municipal de Tomar (…), todas as entidades!

E ele explica, faz-me o contexto histórico, dá-me conta dos protagonistas e, acima de tudo, da vontade de vencer o medo da opressão e da prisão. Vencer o medo, pensei, afinal como está atual… O medo é a primeira arma de opressão, um trabalhador com medo não luta por uma vida digna, aquieta-se aos ditames, treme perante a precariedade, traz a ansiedade do fim do mês com ele… O amigo tinha razão, havia que agir.

Juntámos um grupo de sindicalistas da região e fizemos um plano de comemorações. Criámos páginas “Vencer o medo” no Facebook e no wordpress, pedimos a cedência de instalações à Câmara, organizámos debates, exposições, aliámos a história às atuais lutas laborais e à mensagem: Vencer o medo. Criámos um manifesto que a dado passo dizia:

“A fundação da primeira central foi um passo positivo que juntou as forças do mundo do trabalho numa organização comum. Foi a coragem de ir à luta que conseguiu vitórias na redução do horário de trabalho para as 8 horas diárias, na criação de seguros sociais ou bairros de habitação social. A UON dinamizou o protesto contra os especuladores e açambarcadores de bens, pela defesa da paz e contra a entrada de Portugal na 1ª guerra mundial.

É admirável a coragem daqueles e daquelas que venceram o medo, as prisões, os despedimentos arbitrários, a fome e a miséria para levantar a luta pelos direitos dos trabalhadores e da paz.”

Este ano a comemoração é pelos 110 anos, dez anos depois do centenário quase nada mudou. O medo continua a assolar os imigrantes nos campos do Ribatejo e Alentejo, os jovens que não conseguem um contrato a efetivo, os efetivos com medo de não serem aumentados no seu salário, os que tem medo de fazer greve, os que tem medo de ter medo…


Cinquenta anos depois do dia libertador o medo traz consigo a herança da ditadura… No medo o fraco ataca o fraco, ataca os imigrantes ou as pessoas LGBT, ou as negras, ou as ciganas, ou as islâmicas, ou as judaicas (…), ataca sempre os fracos vendo neles adversários, os de baixo contra os de baixo, como se vive-se numa guerra surda. O medo tolha o pensamento e aprofunda a alienação.

Há 10 escrevemos:

Cem anos depois a pobreza alastra pela população. Os especuladores são agora os da finança e da banca que dizima os recursos do país e os açambarcadores de riquezas multimilionárias crescem na explosão daqueles que só conseguem comer através dos bancos alimentares ou das cantinas sociais.

Talvez tenha sido na UON que Vinicius de Moraes se inspirou para escrever o poema “O operário em construção”…

“… E foi assim que o operário 
Do edifício em construção 
Que sempre dizia sim 
Começou a dizer não. 
E aprendeu a notar coisas 
A que não dava atenção…

110 anos depois continuamos a ter necessidade de dizer não!

Vítor Franco




Pereiro, onde as casas morrem com as pessoas!

O bairro do Pereiro foi o da minha criação, assim diria a minha mãe. A senhora Alice tinha uma mercearia no Largo dos Capuchos, mais conheci...