Há democracia com tantas pessoas sem abrigo?

Foto da Av. 5 de outubro, Lisboa, tirada a 25 de junho de 2024

Estávamos em convívio na sede da SRO, em Santarém. Um dos atletas da nossa equipa, Desafios Positivos D+, tinha feito anos e, como é habitual, juntámo-nos para festejar.

Cerca das 21h um senhor desconhecido entra na sede e dirige-se à sala de convívio. Perguntámos se precisava de alguma coisa e que desejava.

– Tenho fome, disse.

– Sem problema, disse-lhe. Mandei-o sentar-se e servi-lhe dois pratos da nossa comida.

Puxei conversa, indaguei de onde vinha e porque estava por cá. Disse-me que é português e foi emigrante. Regressado a Portugal a vida não lhe terá corrido bem. Vagueava de terra em terra procurando a sorte que lhe tinha fugido. Estava também sem abrigo, considerava-se um refugiado no seu próprio país o que ele próprio era uma revolta pois dizia ser “um homem de Deus”.

Enquanto comia discorreu sobre os outros pobres, ou outros sem abrigo que considerava uns privilegiados até porque dormiam em albergues ou tinham apoios sociais. Criticou os horários dos albergues noturnos que obrigam à saída matinal e a sua disciplina. Falou da prostituição entre pessoas sem abrigo, em troca de algum para a droga… Recordei os fins de 2007, início de 2008, quando participei no Porto numa equipa que elaborou um vasto trabalho de campo e que teve fim feliz em vários projetos-lei do Bloco de Esquerda e no “Livro Negro, sobre a pobreza no distrito do Porto”, cuja capa é precisamente o Albergue Noturno do Porto. Recordei-me da visita a este Albergue e da dedicação que as e os funcionários dedicavam a estas pessoas. Alguns dos problemas dos sem abrigo eram a perda da documentação, a ausência de morada fixa para ter eficaz acesso aos subsídios e apoios sociais ou – imagine – a burla que alguns empresários lhes faziam que, em troca de parcos euros, usavam a identidade dos sem abrigo para negócios escuros; depois, as pessoas sem abrigo eram vítimas de problemas judiciais e acusados de crimes que em todo desconheciam.

Voltando ao “refugiado”, para a sua dormida, nessa noite, sugeri que contatasse os Bombeiros Voluntários, talvez lhe pudessem dar algumas indicações. No fim de comer saiu, sem mais… Regressei ao convívio.

Este episódio fez-me lembrar outras situações de pessoas sem abrigo que tenho visto a dormir em Santarém. Confesso que é das situações que mais me incomoda, em particular se forem idosos, talvez por isso volto ao tema neste jornal. Já vi pessoas a dormir em entradas de bancos onde se situa o multibanco, em recantos mais abrigados de prédios e até em casas abandonadas. Tenho a sensação de que este problema se tem vindo a agravar, transportando consigo as restantes exclusões sociais.

Também me incomoda que a Assembleia Municipal tenha recusado a proposta da deputada municipal Ana Eleutério para melhorar as condições em que se dá apoio municipal ao arrendamento. Em rigor, “é praticamente inalcançável para quem possa necessitar de recorrer ao mesmo”. O apoio municipal existe para quem tenha até 509 € de rendimento mensal e more no concelho há mais de três anos, ou seja, é um subsídio dado a quase ninguém. Incomoda-me que nenhuma das forças que tem vereadores da Câmara tenha votado a favor! Enfim, cada eleito é livre de votar como quer… 
Vítor Franco
(Publicado no Jornal Mais Ribatejo, veja aqui)

Comentários

Mensagens populares