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quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Português: leva esta maçã, podes ganhar fome!

Esta estória que vos trago ocorreu na minha última Donejakue bidea, [Caminho de Santiago, o do Norte], o Iparraldeko.

Ocasionalmente há recordações que revivem e declaram a presença notória na memória, coisas da chuva e do confinamento.

Essas vivências trazem um novo valor a momentos que tratámos como banais, significados que nos passaram despercebidos e constroem a história de um percurso geográfico e humano.

Para fazer este caminho apanhei “boleia” Blablacar até Hendaye, ou Hendaia, ali no lado francês do País Basco. Era hora de montar a bicicleta.



Colocados os alforges e verificados todos os apertos, fico a olhar os dois lados da fronteira, tudo parecia o mesmo país! Mais à frente, na ponte fronteira sobre o rio Bidasoa, as pessoas circulavam a pé entre a República Francesa e o Estado monárquico Espanhol como se fossem beber um café na rua ao lado.

Mas havia diferenças, muitas diferenças; uma pequena placa, no lado francês, assinalava a luta republicana e independentista de Euskal Herria e de todos os republicanos contra o golpe fascista e a guerra civil desencadeada do general Francisco Franco!

Nesse dia dei uma volta por Irun e verifiquei a qualidade do seu ordenamento territorial, a limpeza, o cuidado com os espaços verdes e desportivos, um gosto! 

Dormi no albergue de peregrinos de Irun, modesto, mas acolhedor. No jantar de véspera partilhara comida e conversa com comensais de ocasião, franceses. De manhã fui o último a partir, sou sempre o último, gosto da lentidão matinal na serenidade de um tempo sem relógio…

Peguei a bicicleta, fixei os alforges e olhei o céu cinzento… Despedi-me dos anfitriões, por precaução encerro o telemóvel no saco plástico, pedalo por Hondarribia e procuro o trilho para subir o monte a caminho do Guadalupeko Ama Birjinaren Santutegia [Santuário da Virgem de Guadalupe]. Como podem ver na imagem a língua basca, o Euskara, é muito fácil eh eh eh 


A chuva começa a cair, cada vez mais intensa, a dificuldade cresce na proporção da lama e da subida, empurro a bicicleta à mão, sigo, a chuva continua, primeiro dia, primeira molha… Ao fim de umas horas chego à igreja basca. Encontro outros peregrinos que se acoitavam da chuva torrencial, a chuva não escolhe entre católicos e ateus. Espero, converso, temas da ocasião… A chuva cai, começo a ter frio, decido recomeçar a pedalar para reaquecer…

O frio aconselhou-me a não visitar a Gotorlekua [Fortificação], pedalo, a chuva para, o céu abre e a luz rompe o nevoeiro e a humidade fazendo brilhar o mar e as encostas abruptas. As aves cantam animadas pelos raios de sol, paro junto a uma rocha e saco uma banana. Aproximam-se duas jovens chinesas a pé, saúdam-me, ofereço bananas, uma aceita, puxo pelo inglês e peço que me tirem uma foto como recompensa, sorriem, assim é…

Cortaram-me um pé :) 

Respiro fundo, sabe bem aquele ar, recomeço a pedalar no trilho, acabo a subida ao monte Jaizkibel, estou no reino das ovelhas e das vacas, aqui e ali salta um coelho, sigo, encontro uma festa…

Festa, em cicloviagem é sinónimo de paragem obrigatória! Várias tendas e rulotes anunciavam comidas e bebidas. Encosto a bicicleta, escuto euskara, o nome da língua basca, penso: começa a correr bem, procuro olhar atentamente, decido dirigir-me a uma tenda onde faziam comida, Eko Talo anuncia uma placa, dirijo-me a dois jovens cozinheiros…

O jovem da direita usa a tradicional boina basca

- Eu sou português, eu começo sempre assim quando falo castelhano no País Basco, e disparo o diálogo: vocês estão a fazer comida, que comida é essa, que festa é esta, o que significa Talo… por fim a pergunta decisiva: podem vender-me Talo?

- Sim, estamos a fazer uma comida, é à base de milho, no fim de amassada vai ao calor e fica uma base redonda que enchemos com recheio [fica semelhante à Arepa ou a um pão árabe], esta festa é privada, é de uma empresa, não podemos vender a ti!

Uff, milho não tem glúten, isto é mesmo bom para mim. Vai daí…

- Eu sou português, venho de tão longe, já apanhei imensa chuva e agora nem me vendes nada?

Riu-se, falou com o colega…

- Vem daqui a pouco, vendemos-te uma!

Assim foi, agradeci e pedi para lhes tirar uma foto; estava deliciosa – teria comido três ou quatro :) … Comi mais uma banana…

Procurei então a rulote das bebidas. Lá estava uma, cheia de bandeiras independentistas do País Basco, da Catalunha e de Cuba. 

Uma T-shirt, com as bandeiras do País Basco e da Catalunha, tinha escrito em catalão: Solidaritat entre pobles… Estou na minha gente, pensei…

- Eu sou português… E como perguntar não ofende… Vende um copo de sumo? Lindas bandeiras… Linda T-shirt… Porque tem estas bandeiras? Eu também sou independentista… Claro que as perguntas foram entrecortadas com as respostas…

- Sabe das “coincidências” históricas de Portugal com a Catalunha na libertação de Castela?

A conversa fluiu, falámos da coincidência [é claro que duas revoltas não se desencadeiam em "simultâneo" contra um opressor comum, apesar de em 1640 não haver e-mails nem telemóveis] da revolta catalã e da revolta portuguesa, dos direitos dos povos… Tentou ensinar-me algumas palavras em basco que escrevi num papel, os ponteiros galgaram o tempo mais rápido do que um monte. O diálogo construiu duas horas de fraternidade… Uma folha dizia Kafea dago [Temos café]”. Pedi um e paguei. Despedi-me com satisfação. Quando já começava a pedalar ouvi: 

- Português, volta aqui!

Assim fiz, quando cheguei ao pé do senhor, de quem esqueci o nome, disse-me:

- Leva esta maçã, podes ganhar fome!

Fiquei sem palavras, sorri, agradeci por gestos, afinal o gesto é tudo… Encaixei o pé no pedal e segui…

Tinha sido um dia bonito!

Vítor Franco

Fins de maio de 2018

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

É bom sentir...

É bom sentir o frio no rosto, ouvir a fala do vento nas serras, pisar a neve na montanha, ouvir os pássaros, parar para apreciar as mariposas, as raposas de olhos de luz, as cobras procurando refúgio, as cabras querendo-te segredar amores, sentir os aromas da natureza que tudo nos dá e nada pede...

É bom descer às praias e rias e tomar o barco para outra margem, tomar banho no rio, aprender com gentes de outras terras, não saber falar eslovaco, húngaro, euskerra, alemão, árabe ou berbere...

É bom não saber o que comer nem sequer como se chama, não saber onde ir dormir mas saborear a chuva caindo na tenda, conhecer religiões, culturas e costumes diferentes, conversar com amig@s do momento sem tempo de partida, partilhar as tuas histórias e do teu país...

É bom usufruir a solidariedade de todas as pessoas e poder-lhes dar um pouco de nós... É bom não haver racismos e ódios! É bom olhar as estrelas na escuridão da noite...

Vítor Franco

http://travelbloggers.pt/














domingo, 19 de janeiro de 2020

Às vezes "bate" umas saudades...

Às vezes "bate" umas saudades
Da montanha 
Do vento nas árvores
Da chuva 
Do canto das aves
Da incógnita do lado de lá
Do barco e do rio
Do que sabes que não sabes
Até do frio
E das firmes vontades...



  
  





País Basco, Astúrias, Picos da Europa, 2018, fotos minhas
Vítor Franco

Pereiro, onde as casas morrem com as pessoas!

O bairro do Pereiro foi o da minha criação, assim diria a minha mãe. A senhora Alice tinha uma mercearia no Largo dos Capuchos, mais conheci...