Há tanto abril para construir!

Caminhava a passos algo incertos, o seu corpo parecia instável, alto e magro, a fazer-me lembrar o bom gigante Torres que jogou no Benfica, quase esquelético, vem direito a mim.
– Senhor, senhor, preciso que me ajude, diz-me.
– Bom dia, diga o que se passa, indago eu.
Procura algo nos bolsos das calças, de lá para os de um casaco velho, mas limpo, encontra no bolso de dentro, parecia um spray para a asma.
– Senhor, preciso que vá comigo à farmácia pedir este medicamento… Sabe, senhor, eu não lhe quero pedir dinheiro, o senhor paga na farmácia, com o protocolo da Misericórdia de Lisboa é pouco…
Nunca tal tinha tido tal abordagem… O “Torres” continuou.
– Senhor não é preciso dar-me dinheiro, senhor eu preciso deste medicamento…
Disse-lhe que ia com ele à farmácia e pagaria a parte não comparticipada do medicamento.
– Para onde é a farmácia?
– Senhor, é ao pé do Egas Moniz, vamos senhor…
– Amigo, eu vou em sentido contrário, temos já ali uma farmácia… Vamos a esta.
Faz uma cara de angústia…
– Senhor, senhor, essa não tem protocolo, senhor eu não quero que me dê dinheiro, vá comigo senhor…
– Quanto lhe custa o medicamento se você for à farmácia que diz?
– É muito senhor, são quatro euros e meio…
Olhei para o “Torres”, às tantas doía-me a consciência de não ir com ele, às tantas era mais uma canção de pedir dinheiro para a sua dose de droga… Voltei a olhá-lo com atenção…
– Senhor, senhor, venha comigo…
Puxei da minha carteira e tirei uma nota de cinco euros.
– Eu tenho de seguir em frente, disse-lhe. Leve a nota e compre o medicamento.
Cada um seguiu o seu caminho, parei, olhei para trás, lá ia ele em passo apressado, inseguro… Lembrei-me da canção do Rui Veloso…
“… Gingando pela rua/ Ao som do Lou Reed/ Sempre na sua/ Sempre cheio de speed/ Segue o seu caminho
Com merda na algibeira/ O Chico Fininho/ O freak da cantareira
Chico Fininho…”
Há tanta doença por reparar, tanta miséria por acabar, em tanta gente que vegeta na vida ou vive na desesperança, em gente que deixou de ter força de trabalho para vender…
Há tanto abril para construir! É o nosso objetivo, construir abril! 
Vítor Franco
(Publicado no Jornal Mais Ribatejo, veja aqui)

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