quinta-feira, 8 de julho de 2021
Não podemos ignorar!
“Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror”
Esta quadra, do poema “Cantata da Paz”, de Sophia de Mello Breyner, muito bem cantado por José Mário Branco, expressa bem a mensagem que quero partilhar convosco.
Recordei-me deste poema quando li a notícia do assassinato do jovem galego Samuel Luiz, de 24 anos. O Samuel foi morto na madrugada da última sexta-feira, “após espancamento brutal de um grupo de pessoas que gritava ‘bicha’, confirmado por testemunhas diretas do atentado”, relata o jornal espanhol Público.
Segundo o jornal Voz da Galicia os agressores, depois de uma primeira agressão, interrompida por outros jovens, proferiram insultos homofóbicos e “perseguiram a vítima para concretizarem uma segunda e mortífera agressão”.
Em Portugal, em 2019, o Observatório da Discriminação Contra Pessoas LGBTI recebeu 171 queixas de crimes de ódio contra pessoas LGBTQ+. “Ainda são frequentes os relatos de crimes violentos e homicídios motivados por LGBTQfobia e hoje grande parte das pessoas tem pelo menos um amigo ou amiga que já foi vítima dessa discriminação.”
Esta corrente de ódio, que está a ser expandida na Europa pela extrema-direita, tem no governo húngaro o ponta de lança institucional. A perseguição às pessoas LGBT que o governo e vários municípios húngaros desencadearam levou à reação generalizada das pessoas que defendem todas as pessoas. “Não há neutralidade na defesa dos direitos fundamentais”, como diz Fabíola Cardoso.
O presidente do Conselho Europeu tomou posição. Charles Michel condenou a homofobia e defendeu a defesa dos valores da União Europeia (UE). A presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, apelidou a lei húngara mascarada de “promoção da homossexualidade em menores de 18 anos” como “uma vergonha”. O parlamento europeu aprovou também uma moção contra as homofóbicas leis húngaras e quase só a extrema direita apoiou o governo húngaro. Por proposta do Bloco de Esquerda, o parlamento português também se colocou ao lado dos direitos humanos.
Assim, apresentei nesta Assembleia Municipal do dia 30 de junho, uma recomendação à Câmara Municipal para reforçar o já existente Plano Municipal de Combate à Discriminação em razão da Orientação Sexual, não só porque finda em dezembro mas também tem verbas irrisórias.
A recomendação reafirmava também:
“No nosso município de Santarém respeitamos a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição da República, assim:
a) Rejeitamos zonas de exclusão de pessoas e repudiamos a perseguição a pessoas LGBT;
b) No respeito democrático, reforçamos a mensagem de que o nosso município é uma Zona de Liberdade LGBT e de todas as pessoas, sem discriminações.”
A maioria conservadora do “parlamento municipal” votou contra; só 9 deputados se juntaram a mim e tiveram a coragem de votar a favor da recomendação “Respeitar os direitos humanos, rejeitar a perseguição a pessoas LGBT"!
Pelos vistos, respeitar a Constituição e respeitar Direitos Humanos são coisas difíceis de assumir em Santarém!
Agora, cada pessoa tire as conclusões que entender.
Vítor Franco
quinta-feira, 10 de junho de 2021
O José “Cuecas” e o ciclista
As pessoas mais consumidas pelo rolar incessante do relógio recordar-se-ão do Zé “Cuecas”.
Já o trouxe ao nosso diálogo numa crónica que pode
ler aqui no Mais Ribatejo, nessa altura acompanhado de tantas outras
recordações.
O Zé tinha uma pequena oficina ali na Rua
dos Esteiros, quase paredes meias com a Ermida
do Milagre sem que isso influenciasse a sua veia pouco católica.
Pois aqui o rapaz decidiu aprender a sapateiro, aprender foi
sempre teima. Conversado com o mestre Zé lá comecei a tentar chegar-me à arte.
Empenhado comprei algumas ferramentas: o pica pontos, a sovela e uma turquês de
arrancar; o Zé arranjou-me uma faca de sapateiro. Ainda hoje, 44 ou 45 anos
depois, guardo uma sovela e um pica pontos!
Fui tomando o jeito, apurando o gosto e aumentando a
autoconfiança; mas o sapateiro em construção não chegou a ser um sapateiro
construído. Famigerado dia aquele em que estando eu a colocar uma capas a faca
me escapou e zás quase assassinou o sapato direito de uma senhorinha às
direitas do nosso bairro do Pereiro. Pobre aprendiz… O Zé zurziu de tal modo
que se deve ter ouvido na mercearia da minha saudosa mãe no Largo do Cemitério.
Assim terminou um futuro brilhante na arte de bem confortar pés bonitos!
– Porque isto me veio à memória?
– Porque neste dia 8 de junho fiz a etapa Ferreira do
Alentejo – Almodôvar, onde cheguei quase musgado, na minha viagem em bicicleta tomando
a Estrada Nacional 2 em Montemor o Novo até Faro.
– Vocês sabem que Almodôvar é a terra dos sapateiros?
– Assim é, a terra chegou a ter dezenas de artistas na arte
de bem calçar. Muitos estão retratados e as ferramentas de trabalho expostas no
Museu
Municipal Severo Portela. O museu é sóbrio mas tem história, cultura e
identidade!
A visita foi um gosto e deu origem à partilha destas
recordações com o jovem guia.
Partilho convosco estas notas de recordação e afeto, não só
porque elas fizeram parte da aprendizagem deste ser humano, mas porque quero
valorizar muito como é importante tornar presente as gentes e o passado que
aqui nos trouxe.
Nesta terra, que gostamos, a cassete toca sempre igual. Com
Moita a unilateralidade do tema tauromáquico esmagou tradições, culturas,
percursos e vivências. Há uns anos a cassete virou ao lado B mas a música é
igual, mesmo que o artista use outros acordes. Imensas memórias de gentes que
construíram bonitas estórias da nossa história coletiva jazem em tumbas de
silêncio.
Por isso, vale sempre a pena trazer cada pequena estória à
memória coletiva porque é essa memória que constrói – na sua diversidade – a
nossa história e identidade comunitária.
Aprendamos com Almodôvar!
terça-feira, 4 de maio de 2021
De bicicleta em Porto Santo, dia 1
Manhã cedo apanho o barco da Porto Santo Line. O Lobo Marinho é um barco agradável com tripulação simpática. A época é baixa e leva pouca gente, eu gosto mais assim.
A pouco e pouco vejo desaparecer a ilha da Madeira e a sua
Ponta de S. Lourenço, local de bela caminhada. No horizonte o Ilhéu da Cal
clama pelo grito “terra à vista”! Chegado ao porto, de Porto Santo, observo a
saída de carros, camiões, motorizadas e gentes carregadas…
Deixo sair quase toda a gente, pego na mochila e desço. Tomo
o mini autocarro com destino à vila, perdão cidade, mas Vila Baleira de seu
nome. Desço na última paragem, observo… Idosos trocam conversa entre cigarros,
uma empregada espera clientes à porta do café, vejo o posto de turismo e
dirijo-me lá… O funcionário desentorpece, dá-me o mapa da ilha e pouco mais…
Procuro uma loja de bicicletas e alugo. Monto direto ao
Inatel.
Lugar calmo numa já calma cidade com nome de vila, o Inatel
fica às “portas” da praia da Calheta. Arrumo as coisas e dou um salto à praia de fama curativa.
O primeiro dia na bici, como lhe chamam os castelhanos, é
para descobrir a Praia do Zimbralinho, voltar à estrada de “gravel” e rumar ao
miradouro do Furado Norte, dali subir ao Pico do Espigão [uff, a bici ficou no
caminho que era subir “a pique”], voltar ao alcatrão com destino ao Pico Ana
Ferreira.
O acesso ao Zimbralinho estava cortado mas deu para uma boa “chapa”.
É uma praia muito pequena mas bonita.
O miradouro do Furado Norte, na arriba costeira de Morenos, é um local muito bem tratado com
umas vistas esplêndidas e com um bonito parque de merendas.
Do miradouro segui ao Pico Espigão. É um lugar muito
interessante. Trata-se de “forma de relevo alongado que chega aos 270 m” tendo
na sua “cumeeira um magnífico filão de rocha rara o mugearito”; um bocadito
mais velho que eu: mais de 12,5 milhões de anos… Lá de cima vê-se a ilha dos
dois lados.
Descendo o pico e tomando o alcatrão, segui à esquerda rumo
ao campo de golf. Continuando tens acesso a uma formação geológica, de
estrutura colunar prismática, a que chamam “Piano”. Segundo a descrição no
local “as rochas encaixantes são depósitos vulcanoclásticos e lavas submarinas
pertencentes à fase da montanha submarina”… A não perder!
É tempo de descer… Vai um mergulho na água quentinha na
praia do Combro?
Vítor Franco
terça-feira, 6 de abril de 2021
Conversas descontraídas ou formações bicicletas / mulheres / reutilização / logística / férias / família / aventura
Informação de https://cicloda.cicloficina.pt
A CICLODA apresenta o ciclo de webinars BICICLETAS E... a realizar entre 8 de Abril e 17 de Junho de 2021.
Serão seis conversas temáticas e descontraídas com as pessoas convidadas, e abertas à participação do público.
De 15 em 15 dias haverá um webinar, sempre às 18h30 e com a duração de uma hora, transmitido online.
Este ciclo é co-organizado pela CICLODA e Câmara Municipal de Lisboa, com o apoio Velo-City 2021.
08 ABRIL 2021 | 18H30
MARIA CANELHAS - FEMINA
ANA REGEDOR - RODA DOS VENTOS
PATRÍCIA MELO - CICLISTA EXPERIENTE
GIULIA GALLORINI - CICLISTA PRINCIPIANTE
MODERAÇÃO
MICHELE MAMEDE - JORNALISTA
quarta-feira, 24 de março de 2021
Estreou a curta-metragem "Explorar os seus limites"
As restrições da Covid-19 na Escócia contornaram o detentor do recorde mundial, Mark Beaumont, e o fundador da Bikepacking Scotland, Markus Stitz, pensando sobre onde estão os limites de nossas autoridades locais.
Uma nota de cautela. Diferente de outras rotas da Bikepacking Scotland, só pudemos testar a rota de Edimburgo e Midlothian. Para todas as outras rotas, usamos Komoot e Open Cycle Map para mapeá-las e analisá-las em um computador, e também usamos nosso conhecimento de outros passeios ou projetos como mapear as trilhas de cascalho de Perthshire, John Muir Way ou rotas no Cateran Ecomuseum.
Ao pedalar a rota de Edimburgo no inverno, tivemos que desmontar e empurrar várias vezes, e também fizemos alterações na rota durante a pedalada, então, esteja preparado para isso. Aconselhamos você a usar o bom senso, levar kit sobressalente suficiente e seguir os protocolos de emergência.
Essas rotas são sugestões para inspirar suas próprias rotas. Você pode nos enviar feedback onde eles podem ser melhorados. Alguns conselhos ainda estão faltando na coleção, então se você quiser mapear e compartilhar uma rota, use o feedback abaixo para entrar em contato."
quarta-feira, 17 de março de 2021
Cicloviagem - uma nova revista, bonita, de qualidade gráfica, bons conteúdos e gratuita
"Somos uma revista em movimento.
O nosso objetivo é disseminar um tipo de turismo e vida alternativa onde interagimos de forma responsável e consciente com o meio ambiente e as pessoas que o habitam.
As viagens de bicicleta como forma de turismo mas também de vida.
Procuramos mostrar e aproximar o leitor das diversas formas de pedalar pela mão dos próprios viajantes, contando histórias, mostrando fotos, dando conselhos ou ilustrando de alguma forma a experiência do ciclista.
A periodicidade:
A revista terá três edições anuais publicadas a cada quatro meses em formato digital e será totalmente gratuita.
Gestão:
Será autogerenciado e colaborativo. Qualquer pessoa que desejar participar pode enviar seu material para ser considerado para publicação.
Difusão:
Será divulgado de forma gratuita e gratuita, podendo ser publicado em redes sociais, páginas da web e até impressos."
sexta-feira, 12 de março de 2021
Santarém está muito atrasada. Temos uma vitória a conquistar!
Só um país atrasado entende que as mulheres não devem usar bicicleta porque se excitam, as estradas são para os carros, as ruas só para quem não tem mobilidade reduzida, ou as bicicletas são transporte de pobre!
As pessoas com deficiência também têm direito à mobilidade e
ao desporto. As crianças também têm direito à mobilidade e à segurança.
Junto fotos tiradas em Santarém, foto de estacionamento de
bicicletas junto a estação ferroviária na Áustria [quando fiz o rio Danúbio] e uma
revista sobre ciclismo adaptado, de leitura e download livre e gratuito que podes
fazer clicando aqui.
Realmente, Santarém está muito atrasada. Temos uma vitória a conquistar!
quarta-feira, 10 de março de 2021
A primeira lei de Newton, a Escola Industrial e o Mercado Municipal
Este ato de arrumar e limpar livros é prazeroso! Abandono o presente, perco-me no passado, esvoaço em lembranças esquecidas, percorro momentos como filmes em tela…
Trabalhava em turnos rotativos, já era pai, sindicalista, fazia voluntariado associativo… Foi quando chegou a saudosa e para mim inesquecível professora Berta[i]… Nasceu uma paixão, não pela professora, mas pela disciplina de Física que tão bem lecionava… Paixão que criou a ansiedade de saber mais, de compreender mais, melhor…
Quanto mais sabemos, mais percebemos o que imensamente nos falta saber!
Newton “tirou-me do sério”… Com ele encontrei o entendimento de que as leis da Física se aplicam também ao comportamento humano e à sociedade. Com ele e a filosofia de Marx, a compreensão do mundo fez mais sentido!
Cada um, ou uma, de nós é como um grão de areia numa imensa praia – mas não há praia sem grãos de areia! É assim todo o nosso planeta, toda a via láctea, todo o imenso universo…
Há uma lei de Newton que aprecio em particular: a primeira lei, eu chamo-lhe simplesmente a “lei do movimento uniforme e retilíneo”. Mais ou menos isto: um objeto estará em repouso ou prosseguirá em movimento retilíneo e uniforme se sobre ele não atuar nenhuma força ou se o resultante das forças que atuarem for igual a zero.
- Como se liga essa lei ao Mercado Municipal, perguntarão?
- Pela primeira vez, neste mandato autárquico, houve forças que atuaram sobre o movimento “retilíneo” [de privatizações] da Câmara! Houve iniciativas cidadãs, Cartas Abertas, pronunciamentos variados na comunicação social, movimentações na comunidade… Essas iniciativas e esses pronunciamentos agiram como vetores de forças sobre o objeto: a decisão de Ricardo Gonçalves de concessionar o Mercado a privados.
Muitos grãos de areia decidiram mover-se e a praia alterou-se. A consciência e a palavra de cada grão induziu uma ação e reação de outros grãos, qual terceira lei de Newton! Todo esse “pequeno” sobressalto físico e cívico agiu sobre a decisão da Assembleia Municipal originando uma força de reação em oposição ao movimento do objeto e obrigou-o a parar!
Abandono o presente e reencontro-me com o passado, aquele momento em que pergunto à professora Berta que livro me aconselharia para continuar a ler física e em particular astrofísica.
- “Um pouco mais de azul”[ii], de Hubert Reeves[iii], se bem me lembro...
Saiba, cara leitora ou leitor, o que escreve Hubert na dedicatória: “este livro é dedicado a todas as pessoas maravilhadas com o mundo”!
Maravilhe-se, seja um grão de areia em sobressalto!
[i] Já não me lembro do sobrenome da professora Berta…
[ii] O título da edição portuguesa reproduz um fragmento do poema “Quase”, de Mário de Sá Carneiro.
[iii][iii] Hubert Reeves, “Um pouco mais de azul”, Lisboa, Gradiva.
segunda-feira, 8 de março de 2021
"A BICICLETA COMO UM VEÍCULO FEMINISTA" - VIVA O 8 DE MARÇO!
![]() |
Rute Norte, de bicicleta pela China |
Pedalar se apresenta como um ato político, de reivindicação do espaço público como de direito aos sujeitos. Dentre as apresentações de falas e debates atuais, o feminismo e o cicloativismo têm muito a caminhar ainda juntos..."
quarta-feira, 3 de março de 2021
Fanzine de mulheres em bicicleta
Por vezes caímos na tentação de relatar as audaciosas cicloviagens deixando a sensação: "isto não está ao meu alcance".
A publicação de hoje é muito gira. Ela tem ilustrações interessantes e trata o início da "relação" entre a mulher e a bicicleta, é o abc autêntico para a mulher que nunca andou de bicicleta.
1. Aprendendo a andar de bicicleta, 2. Pedalar em dias de chuva, 3. Seguranças nas vias, 4. Registo de bicicleta, 5. Recomendações, 6. Sinalização, 7. Como prender a bicicleta.
terça-feira, 2 de março de 2021
A velha das laranjas, as galegas e o eletricista
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A vendedora de laranjas - Maria de Lourdes Melo e Castro |
Dirijo-lhe palavra:
— Olá, bom dia! Como está a
senhora?
— Bom dia senhor Vítor, vou bem,
olhe, como Deus manda, sabe, ando nervosa, sabe, assinei a carta à Câmara,
sabe… Já viu? Quererem fazer-nos uma coisa destas com esta crise… E a gente já
velhas? Já viu? Então o que vai hoje?
— Compreendo-a, há muitas mais
pessoas que vos compreendem, dia 8 fica decidido, vamos ter esperança… As
laranjas este ano apodrecem rápido… Quero dois quilos, tenho aqui saco…
— Traz ovos frescos das suas
galinhas? Se tiver quero uma dúzia…
— Sim, aqui estão… Você, fale lá
homem, não se acanhe…
Pago.
Procuro a vizinha da velha,
chamo-lhe a mulher das cebolas — mas ela gosta! Ainda se lembra da foto que lhe
tirei no mercado de Rio Maior, pausava amamentando um petiz agora “homem de ir
à tropa”. Homem feito, ajuda a mãe no mercado e na horta… O pai ficou
desempregado e faz biscates nas obras… Cuida também da horta; que bela horta,
sim, que eu já a vi, de lá vêm as cebolas, não há cebolas como aquelas…
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Artur Alves Cardoso, “Uma pausa forçada”, 1913, óleo sobre madeira. |
Encontro-a, meto conversa com a
vizinha da velha, a mulher das cebolas… Pergunto-lhe pela irmã, sim, também já
tenho uma foto dela, é uma mulher muito bonita…
— Então a sua irmã? Hoje não veio
mostrar a carinha linda?
— Ah!? Senhor Vítor, não seja
malandro, olhe que eu também não sou feia… A galega mais nova ficou a apanhar
agriões e nabiças para fazer molhos para vendermos amanhã… Quer que lhe guarde?
— Sim, quero, um molho de cada. Já
sabe da Assembleia Municipal, não sabe?
— Sei pois, também assinei aquele
papel. Sabe senhor Vítor, há gente que não se lembra da pobreza, falam, falam,
mas não ligam aos pobres, ao nosso sustento, sabe? O senhor está do nosso lado
não está?
— Claro que sim, então devia estar
de que lado? As senhoras são a vida da terra… Vou lá defender que não haja
concessão aos privados, que a gestão seja municipal e nós possamos fiscalizar…
— Pois, eu li o que o senhor
escreveu com os seus amigos… Sabe, olhe que está bem, sabe senhor Vítor, eu vou
ver pela internet, é segunda-feira dia 8 às 8 da noite não é?
— Sim, com isto do Covid a Assembleia
Municipal é pela internet… Vá, até
amanhã. E traga a galega nova que ela continua gira…
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Henrique Medina, “Rapariga da Galiza”, (cerca de 1948), óleo sobre tela. |
Sorrimos os dois…
A mãe e o
pai tinham vindo lá de cima, da Galiza, com as duas filhas, à procura de melhor
sorte nas Minas do
carvão de Rio Maior. O fim da mina, em junho de 1969, ditara-lhes
o fim da esperança… O homem amofinou, entregou-se à taberna… Arribou e voltou
ao campo… Morreu novo, coitado! Ficaram a mãe e as filhas, sozinhas, sem casa e
sem pão…
![]() |
José Moreira Rato, “Sem casa e sem pão”, 1919, mármore. |
Agarraram-se à amanha da horta e vendem no mercado… Amanhã não me posso esquecer dos agriões, são bons para o ácido úrico e estes não trazem aqueles químicos… E vou comprar mais laranjas à velha… Ela até gosta que eu lhe chame a velha das laranjas. Às vezes responde:
— Diga lá velho eletricista?
Pois é, dia 8 lá estarei, [na Assembleia Municipal] a
defender o pão delas, o delas e o meu porque todos juntos somos uma comunidade…
Sim, elas também são gente com o coração à esquerda!
Vítor
Franco
Créditos
de fotos: Vítor Franco, Museu José
Malhoa, 2020.
Quadros:
Maria de
Lurdes de Mello e Castro, “A vendedeira
de laranjas”, 1929, óleo sobre tela.
Artur
Alves Cardoso, “Uma pausa forçada”, 1913,
óleo sobre madeira.
Henrique
Medina, “Rapariga da Galiza”, (cerca
de 1948), óleo sobre tela.
Escultura:
José
Moreira Rato, “Sem casa e sem pão”, 1919, mármore.
Texto
ficcionado.
REGRESSO DA GALDÉRIA
A galdéria vai para casa. O problema é que fez uma birra, quis ir num saco almofadado. A menina é exigente, uff, não é fácil aturá-la... Bem...
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O centro histórico de Santarém é testemunho de uma história rica e plural. Foi terra de árabes e judeus, colocados extramuros após a conqui...
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Chegada, bicicleta depois de montada. Este artigo aborda a minha paixão pelas viagens em bicicleta e o porquê da escolha da Escócia . A opçã...