sexta-feira, 15 de junho de 2018

Uma La Fuente de estórias, no Caminho Lebaniego…


Ele arrastava as palavras como se cada sílaba lhe fizesse muita falta para preencher cada minuto. Muito calmamente, o jovem búlgaro erradicado na aldeia de La Fuente que tomava conta do albergue municipal explicou-me o caminho para o mirador de Stª Catalina e como chegar mais facilmente a Potes. A explicação minuciosa incorporava tanta informação que à medida que avançava crescia o meu receio de me perder nas serras. Pedi-lhe para esperar e fui buscar o meu caderninho. Olhou-me calma e compreensivamente recomeçou, repetindo pausadamente cada passo.
O jovem convidou-me para jantar mas eu já trazia como farnel o segundo prato de fausto e delicioso almoço de fabada asturiana, agradeci com simpatia. Andava como falava, como que caminhando naquele nevoeiro que frequentemente me acompanhava ou em lugar de força gravítica inferior. A sua figura aparecia e desaparecia no albergue de peregrinos como as nuvens naquelas serras altas: silenciosa e rapidamente.



albarcas já feitas

No pequeníssimo burgo um ancião que fazia albarcas fala-me do jovem búlgaro, guardador do albergue, sem eu perguntar mas como que pedisse para eu o fazer. Não quis. Se o guardador quisesse contar as estórias da sua história assim o faria. Talvez ali se tivesse quedado em refúgio de um desgosto de amor, ou porque ali o tivesse encontrado; esse amor até podia ser a beleza sublime da natureza, daquele vale profundo em que de um lado a rocha nua subia a pique parecendo ir desabar sobre nós a cada momento e do outro a encosta refulgia de vida em tons verdes onde vacas e cabras pastavam livremente.


O ancião dava forma às albarcas trabalhando a madeira de encontro à sua generosa barriga. Perguntei pela história das albarcas. Aprendi que as ditas têm a genética dos indigentes, dos tempos duros em que os pobres andavam descalços e só alguns ganhavam sapatos no dia do exame da 4ª classe. As albarcas protegiam [sim, protegiam, porque agora só têm valor de uso decorativo ou etnográfico] o pé do contato com a neve e têm uns pitões, ou travas como lhes chamam no Brasil, que asseguram a aderência ao solo e se mudam quando se gastam.

oficina de albarcas
Conversávamos, perguntou-me por Portugal e contou-me do seu agrado nas visitas que por cá tinha feito. O burgo onde vive, La Fuente, terá umas dez casas habitadas e quase outras tantas em abandono, recebe um pequeno rio [que por aqui lhe dão nome de arroyo] de águas límpidas onde dá vontade de ir beber com a mão em concha.


As casas, de pedra que é desta que a natureza lhes dá fartura, algumas têm um primeiro andar de habitação e um piso térreo para os animais e outras guardam-nos em anexos – afinal, lá como cá.


É uma aldeia com tantas outras, as que ainda fazem as vivências ancestrais e nos dão conforto pelo caminho. Já o mirador de Stª Catalina dá-nos talvez a mais extraordinária visão cantábrica sobre um desfiladeiro, o de La Hermida; qual ninho de águia que encastrou um pequeno castelo, ou fortaleza de La Bolera de los Moros, tendo sido possivelmente local de refúgio dos cristãos em lutas idas… Só custa subir até lá!
mirador de Stª Catalina

mirador de Stª Catalina

mirador de Stª Catalina

mirador de Stª Catalina, área de descanso na subida ao mirador

mirador de Stª Catalina

mirador de Stª Catalina

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