A história começa com um telefonema…
– Está, Vítor?
– Sim, olá amigo…
– Tenho uma proposta a fazer-te, podemos tomar um café?
– Claro, [café marcado, nós portugueses fazemos quase tudo à
mesa] lá estarei.
Chegado ao dia, lá estou. Cumprimentos de bons amigos e
chegámos ao tema:
– A 17 de março de 2014 faz 100 anos que foi criada a
primeira central sindical portuguesa, a União Operária Nacional, e foi aqui em
Tomar, diz-me…
Como foi possível eu ter-me esquecido, pensei. Bem, afinal
todas as pessoas e entidades se esqueceram: a CGTP, a UGT, a Câmara Municipal
de Tomar (…), todas as entidades!
E ele explica, faz-me o contexto histórico, dá-me conta dos
protagonistas e, acima de tudo, da vontade de vencer o medo da opressão e da
prisão. Vencer o medo, pensei, afinal como está atual… O medo é a primeira arma
de opressão, um trabalhador com medo não luta por uma vida digna, aquieta-se
aos ditames, treme perante a precariedade, traz a ansiedade do fim do mês com ele…
O amigo tinha razão, havia que agir.
Juntámos um grupo de sindicalistas da região e fizemos um
plano de comemorações. Criámos páginas “Vencer o medo” no Facebook e no wordpress, pedimos a cedência de
instalações à Câmara, organizámos debates, exposições, aliámos a história às
atuais lutas laborais e à mensagem: Vencer o medo. Criámos um manifesto que a
dado passo dizia:
“A fundação da primeira central
foi um passo positivo que juntou as forças do mundo do trabalho numa
organização comum. Foi a coragem de ir à luta que conseguiu vitórias na redução
do horário de trabalho para as 8 horas diárias, na criação de seguros sociais
ou bairros de habitação social. A UON dinamizou o protesto contra os
especuladores e açambarcadores de bens, pela defesa da paz e contra a entrada
de Portugal na 1ª guerra mundial.
É admirável a coragem
daqueles e daquelas que venceram o medo, as prisões, os despedimentos
arbitrários, a fome e a miséria para levantar a luta pelos direitos dos
trabalhadores e da paz.”
Este ano a comemoração é pelos 110 anos, dez anos depois do
centenário quase nada mudou. O medo continua a assolar os imigrantes nos campos
do Ribatejo e Alentejo, os jovens que não conseguem um contrato a efetivo, os
efetivos com medo de não serem aumentados no seu salário, os que tem medo de
fazer greve, os que tem medo de ter medo…
Cinquenta anos depois do dia libertador o medo traz consigo a herança da ditadura… No medo o fraco ataca o fraco, ataca os imigrantes ou as pessoas LGBT, ou as negras, ou as ciganas, ou as islâmicas, ou as judaicas (…), ataca sempre os fracos vendo neles adversários, os de baixo contra os de baixo, como se vive-se numa guerra surda. O medo tolha o pensamento e aprofunda a alienação.
Há 10 escrevemos:
Cem anos depois a pobreza
alastra pela população. Os especuladores são agora os da finança e da banca que
dizima os recursos do país e os açambarcadores de riquezas multimilionárias
crescem na explosão daqueles que só conseguem comer através dos bancos
alimentares ou das cantinas sociais.
Talvez tenha sido na UON que Vinicius de Moraes se
inspirou para escrever o poema “O
operário em construção”…
“… E foi assim que o
operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção…”
110 anos depois continuamos a ter necessidade de dizer
não!
Vítor Franco
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