quarta-feira, 4 de maio de 2022

Crónicas do Caminho de Santiago a Compostela, (com podcast)



Hoje cheguei a Santiago. Até para um ateu, como eu, chegar à linda Praza do Obradoiro é uma emoção. A Praça é um lugar de poder e de história, tal como Santiago. Os poderes marcam lugar no Hospital dos Reis Católicos, no Pazo do Raxoi, lugar de uma Galiza aberta ao mundo! Ali fiquei durante um tempo, apreciando as emoções humanas.

Dei uma volta na bicicleta, deambulei pelas ruas, dirijo-me pela Rua do Franco [cujo nome não é em minha homenagem, muito menos ao ditador fascista Franco, mas sim aos peregrinos chegados através dos Pirinéus, como “homens livres” ou como “Nação Franca”] e fui visitar [como sempre faço] as duas irmãs Marias cuja história merece muito ser lida aqui].

E fico à conversa, talvez eu seja um conversador; das conversas sem tempo e compromisso vão ficando amigos efémeros, mas bons… E fotos, ficam muitas fotos…


Podcast, pode ouvir toda a crónica clicando aqui
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É bom voltar ao Caminho de Santiago!
O primeiro dia teve pouca chuva, agora está intensa, e - surpresa boa - não há efluentes suinícolas no caminho; este ano não cheguei a Barcelos a cheirar ao apreciado perfume.
O Caminho começa num belíssimo lugar: a Sé. De lá avista-se parte da bela cidade velha e a Torre dos Clérigos. Primeira foto com a bicicleta e os Clérigos ao fundo. Primeiro carimbo.
A saída do Porto é muito morosa, os "arrabaldes" da invicta são uma confusão. Digo eu. Enfim.
A primeira boa surpresa foi em Moreira, o café Ene, discreto, à beira da estrada, foi lugar de pouso. Veio uma boa sopa e depois um magnífico arroz de pato acompanhado de um branco verde. 6,5€ já com café, recomendo. Retomada a pedalada, paro na bonita ponte romana D. Zumeiro sobre o rio Ave. Lindo lugar. Três centenárias azenhas recordam labores passados.
Fico à conversa com dois ingleses. Falo em português, não percebem claro, acho que nem tentam. Digo-lhes que quando lá for tenho de falar inglês e que eles aqui deviam aprender palavras de português, sorriem, pois... A “espécie” de conversa chega à Escócia e tentam sugerir-me rotas de whisky... Insistem no whisky... Parecia ser a especialidade deles, será que tenho cara de aguardentão? 
Chego a Barcelos, a terra do famoso galo. A lenda deste galo tem variantes, mas coincidem na informação de que um galo morto canta para provar a inocência de um homem acusado e antes de ser enforcado. Provada a inocência o galego, peregrino, foi libertado e do galo se fez a "estátua" e a imagem que perenizou o simbolismo e, claro, o comércio.
A entrada em Barcelos faz-se por Barcelinhos atravessando a ponte do rio Cávado. É um lugar lindíssimo!
Em Barcelos me fico, no albergue de peregrinos. Enquanto escrevo a senhora do canto tosse e dá pulos na cama como se tivesse a fazer ginástica. Um peregrino chegou agora, veio todo molhado, coitado, mas vem animado que não se cala... A chuva cai e a senhora tosse...
Vou por os tampões de cera e a venda nos olhos...
Amanhã é dia da Serra da Labruja.
Barcelos, vista de Barcelinhos
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A noite foi mal dormida, enfim... A partida foi cedo e cedo encontrei um casal de uma basca e um italiano. Pareciam em alguma hesitação e parei para perguntar se tudo estava bem, a partir daí foi apear da bicicleta e falatório durante mais de uma hora. Da história do País Basco, da Catalunha, à gastronomia basca e ao delicioso Talo, à história de Portugal e à restauração da independência, das touradas e dos latifundiários, da Itália, do lago Como e de ir fazer as Dolomitas em bicicleta, de Marrocos, das doenças do coração e afins, de trabalhar desde pequeno e da pré-reforma, e, claro, do Caminho da Santiago...
Daí vieram os convites de visita e a troca de telefones... Alberto Corti é um milanês simpático que com a sua companheira tiveram a ousadia de me aturarem...
Às tantas expliquei que queria chegar à Serra da Labruja cedo e teria de ir... Quiçá nos voltaremos a ver.
Pedaladas dadas sou mandado parar por dois peregrinos italianos... Perguntas do Caminho, conversa e queremos tirar uma foto contigo, com a bandeira da paz. Desfraldada a bandeira lá veio a foto. No fim, em castelhano / italiano expliquei que aquela bandeira também era usada pelos movimentos LGBTI, ops, não não não somos gays, pois está bem mas podiam ser que eu respeito, não não não somos gays, pois está bem por mim tiro fotos com todas as bandeiras dos direitos humanos, pois não, não, não, somos gays, ok amigos, está-se bem...
A bicicleta puxou por mim e lá vai redescobrindo belos lugares. Eram cerca de duas horas quando chego ao sopé da serra, paro num café e pergunto por comida, não havia sopa nem nada, só sandes... Uff ai o glúten...
Bem, tinha de comer, e vão duas sandes de presunto, uma malga de tinto verde, um café, e o que era para ser um bolo da Páscoa foram seis...
Bem, agora que só falta dizer quantos espirros dei e vamos à dureza: a Labruja.
A subida vai só aos 400m mas é duríssima. Tive de carregar a bike calhaus acima, calhaus e mais calhaus, cheguei arrasado, mas cheguei, demorei foi quase duas horas. 
Começo a descer e começa a chover forte, às 18h resolvo procurar dormida, fico ao lado da igreja de Fontoura, já perto de Valença...
O sino toca de meia em meia hora... A vida é dura... Às 21h deixou de tocar, iupi...

A parte mais fácil da subida da Labruja
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Hoje o destaque vai para o "Concello de Mós" e para a sua festa histórica "Arde o Pazo [veja aqui: http://ardeopazo.blogspot.com.es]”, cito, recria a “queima do Paço de Mós pelas tropas francesas de Napoleão" e a luta vitoriosa destes galegos contra a invasão. A festa tem comidas típicas, vinho da terra, artesanato, jogos...
Estive a ver, um pouco, da competição de cortar um tronco de árvore à machadada. O tronco está deitado e o "atleta" está em cima dele fazendo esvoaçar vigorosamente um grande machado em golpes certeiros.
Muitas pessoas vestem trajes da época o que confere colorido e beleza à festa.
Assim que viu a festa “a bicicleta já não quis andar mais”, uff, que teimosa!
Contra vontade [claro] o je começou por uma baguete, sem glúten, com chouriço assado e um verde tinto da terra. Depois, por conselho da teimosa, fui andar pelas bancas a provar os variados petiscos. No fim foi um café acompanhado de protetor anti glúten.
O dia tinha começado com chuva intensa [tive de meter os pés/sapatilhas dentro de sacos de plástico], durou pouco, o tempo ficou ameno e proporcionou fazer 94km. Cheguei a Caldas dos Reis, só faltam uns 45 km para Santiago.
Gostava de ter filmado a bonita passagem pela fortaleza de Valença, passagem pela ponte e entrada em Tui, acho que ainda não sei trabalhar bem com a gopro.
Nota para o surgimento de pichagens pela independência da Galiza [eu apoio] e uma casa com a bandeira galega e portuguesa.
O Caminho passa ainda na famosa Via XIX, uma estrada romana do tempo do imperador Augusto, os rodados são bem visíveis pelo desgaste que provocaram nas rochas. É uma pena que este património não esteja melhor sinalizado e explicado.
Amanhã é a chegada a Santiago.
Mós em festa
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Hoje cheguei a Santiago. Até para um ateu, como eu, chegar à linda Praza do Obradoiro é uma emoção. A Praça é um lugar de poder e de história, tal como Santiago. Os poderes marcam lugar no Hospital dos Reis Católicos, no Pazo do Raxoi, lugar de uma Galiza aberta ao mundo! Ali fiquei durante um tempo, apreciando as emoções humanas.
Dei uma volta na bicicleta, deambulei pelas ruas, dirijo-me pela Rua do Franco [cujo nome não é em minha homenagem, muito menos ao ditador fascista Franco, mas sim aos peregrinos chegados através dos Pirinéus, como “homens livres” ou como “Nação Franca”] e fui visitar [como sempre faço] as duas irmãs Marias cuja história merece muito ser lida aqui].
E fico à conversa, talvez eu seja um conversador; das conversas sem tempo e compromisso vão ficando amigos efémeros, mas bons… E fotos, ficam muitas fotos… Estava na hora de ir estudar os transportes de regresso. A bicicleta rumou ao Albergue do Seminário Menor…

Vítor Franco
Viagem nos dias 21, 22, 23 e 24 de abril de 2022. Regresso no dia 25. 





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