Saída de Narbonne |
Há dias que nunca se esquecerão! Esses dias representam o futuro da humanidade. Perceberão no fim do texto.
A chegada ao Porto de Narbonne tinha sido um bálsamo, tinha
batalhado duro contra o vento para visitar à abadia de Fontfroide, o
"camping" estar fechado foi uma sorte. Encontrei dormida num pequeno
hotel no centro da cidade. Tomei banho, comi o que restava, segui para visitar
o centro histórico. Eis que começa uma carga de água que deve ter durado toda a
noite. Devo ter dormido umas 10h... Quando acordava era com o barulho da chuva
forte. Às 9h da manhã ainda chovia. Preparei o poncho, deixo abrandar e mesmo
sem comer meto-me pelo canal de Robine para voltar ao Midi.
Lama + lama, chuva + chuva... A dado momento uma vedação e
um sinal de obras corta o caminho, volto para trás... Apanho uma saída para uma
estrada e sigo em direção à Cuxac-d'Aude na esperança de lá encontrar um café
ou supermercado onde comprar comida.
Ledo engano... Volteei por ruas e ruelas, perguntei e
perguntei, a resposta era sempre a mesma "é difícil"...
Pensei seguir para Capestang e assim evitar entrar na lama, pergunto a uma senhora por um café e a resposta foi: "venha comer a minha casa"! Pensei que tinha percebido mal e agradeço mas só queria uma indicação de algum estabelecimento mais próximo. A senhora insiste: "moro aqui, vou abrir a garagem para a bicicleta não ficar à chuva" e foi logo abrir a garagem...
Aceitei a graça concedida. Descalço as sapatilhas cheias de
lama e as meias vão deixando o rasto molhado. Manda-me sentar a mesa, apresenta
a filha e o gato e traz meia pizza... Eu que não posso comer glúten, devorei a
pizza… Depois bebi duas canecas de café. Ofereceu fruta e iogurte, agradeci,
mas já estava bem. A conversa desenvolve-se bem com a filha, veterinária, e ela.
Falámos de viagens em bicicleta e em moto, de associativismo social, em francês
e em espanhol, como dava... Tirámos uma foto para mostrar ao marido e ofereci
préstimos em Portugal.
Antes de sair "exigiu” que eu trouxesse 4 bolos da
kinder, aceito e volto a agradecer.
Nem 10 km passados já os bolos começavam a estimular o palato :) . Em Capestang retorno ao Canal du Midi e volto à lama. A partir de Colomniers surge uma belíssima Ecovia.
Pelo caminho há encontros: um velho que morava no próprio
barco quis saber o que andava a fazer e contou-me histórias de imigrante na
América do Sul, um jovem meteu também diálogo na curiosidade de um velho português
por ali, uma ciclista alemã pede informações: estava a fazer o Midi em sentido
inverso; mais uma hora de conselhos e conversa...
Tenti passar pelo Túnel de Lamas mas as barras de ferro
impediam-no...
São já 17h quando chego às lindas e famosas 9 Écluses deFonseranes.
Um grupo de franceses mete conversa... Falámos da viagem, do
que conheciam em Portugal, de ser reformado :) ...
Quando digo que penso chegar a Séte desaconselham, ainda
faltavam uns 50 kms... Uma senhora puxa do telemóvel e começa a procurar
alojamentos... Falo em hostel... Devem ter pensado que eu não tinha dinheiro, pois começaram a dizer-me que davam se fosse preciso... Devia estar mesmo com cara
de "portuga" abandonado!
Agradeço, volto a agradecer, tiro duas fotos ao canal e sigo
para Béziers...
Procuro o Ibis e cá estou...
Há dias que não esquecerei. Acima de tudo valem para mostrar
a todos nós que a esperança na humanidade deve estar no centro da nossa vida.
O mundo não é a perceção de violência e desconfiança que as
TVs transmitem, apesar da invasão da Ucrânia. Os povos podem gerar
solidariedade com imigrantes ou pobres ou, simplesmente, entre todos nós.
A comunidade pode ser isso mesmo. Marx e Engels também lutaram
pelo crescimento da "Liga dos Justos"... Liga dos Justos! Sim,
justiça! Sim solidariedade! Sim paz!
Hoje [4 de outubro de 2021] choveu torrencialmente, mas o
sol brilhou e até se pôs em tons vermelhos!
Quando pessoas que nunca te viram, te acolhem dois dias em sua casa, te levam a passear à linda aldeia medieval de Minerve e às gargantas do rio Cesse |
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