quarta-feira, 16 de março de 2022

Histórias com GENTE dentro

Saída de Narbonne

Há dias que nunca se esquecerão! Esses dias representam o futuro da humanidade. Perceberão no fim do texto.

A chegada ao Porto de Narbonne tinha sido um bálsamo, tinha batalhado duro contra o vento para visitar à abadia de Fontfroide, o "camping" estar fechado foi uma sorte. Encontrei dormida num pequeno hotel no centro da cidade. Tomei banho, comi o que restava, segui para visitar o centro histórico. Eis que começa uma carga de água que deve ter durado toda a noite. Devo ter dormido umas 10h... Quando acordava era com o barulho da chuva forte. Às 9h da manhã ainda chovia. Preparei o poncho, deixo abrandar e mesmo sem comer meto-me pelo canal de Robine para voltar ao Midi.

Lama + lama, chuva + chuva... A dado momento uma vedação e um sinal de obras corta o caminho, volto para trás... Apanho uma saída para uma estrada e sigo em direção à Cuxac-d'Aude na esperança de lá encontrar um café ou supermercado onde comprar comida.

Ledo engano... Volteei por ruas e ruelas, perguntei e perguntei, a resposta era sempre a mesma "é difícil"...

Pensei seguir para Capestang e assim evitar entrar na lama, pergunto a uma senhora por um café e a resposta foi: "venha comer a minha casa"! Pensei que tinha percebido mal e agradeço mas só queria uma indicação de algum estabelecimento mais próximo. A senhora insiste: "moro aqui, vou abrir a garagem para a bicicleta não ficar à chuva" e foi logo abrir a garagem...

Aceitei a graça concedida. Descalço as sapatilhas cheias de lama e as meias vão deixando o rasto molhado. Manda-me sentar a mesa, apresenta a filha e o gato e traz meia pizza... Eu que não posso comer glúten, devorei a pizza… Depois bebi duas canecas de café. Ofereceu fruta e iogurte, agradeci, mas já estava bem. A conversa desenvolve-se bem com a filha, veterinária, e ela. Falámos de viagens em bicicleta e em moto, de associativismo social, em francês e em espanhol, como dava... Tirámos uma foto para mostrar ao marido e ofereci préstimos em Portugal.

Antes de sair "exigiu” que eu trouxesse 4 bolos da kinder, aceito e volto a agradecer.

Nem 10 km passados já os bolos começavam a estimular o palato :) . Em Capestang retorno ao Canal du Midi e volto à lama. A partir de Colomniers surge uma belíssima Ecovia.


Pelo caminho há encontros: um velho que morava no próprio barco quis saber o que andava a fazer e contou-me histórias de imigrante na América do Sul, um jovem meteu também diálogo na curiosidade de um velho português por ali, uma ciclista alemã pede informações: estava a fazer o Midi em sentido inverso; mais uma hora de conselhos e conversa...

Tenti passar pelo Túnel de Lamas mas as barras de ferro impediam-no...

São já 17h quando chego às lindas e famosas 9 Écluses deFonseranes.

Um grupo de franceses mete conversa... Falámos da viagem, do que conheciam em Portugal, de ser reformado :) ...

Quando digo que penso chegar a Séte desaconselham, ainda faltavam uns 50 kms... Uma senhora puxa do telemóvel e começa a procurar alojamentos... Falo em hostel... Devem ter pensado que eu não tinha dinheiro, pois começaram a dizer-me que davam se fosse preciso... Devia estar mesmo com cara de "portuga" abandonado!

Agradeço, volto a agradecer, tiro duas fotos ao canal e sigo para Béziers...


Procuro o Ibis e cá estou...

Há dias que não esquecerei. Acima de tudo valem para mostrar a todos nós que a esperança na humanidade deve estar no centro da nossa vida.

O mundo não é a perceção de violência e desconfiança que as TVs transmitem, apesar da invasão da Ucrânia. Os povos podem gerar solidariedade com imigrantes ou pobres ou, simplesmente, entre todos nós.

A comunidade pode ser isso mesmo. Marx e Engels também lutaram pelo crescimento da "Liga dos Justos"... Liga dos Justos! Sim, justiça! Sim solidariedade! Sim paz! 

Hoje [4 de outubro de 2021] choveu torrencialmente, mas o sol brilhou e até se pôs em tons vermelhos!

Quando pessoas que nunca te viram, te acolhem dois dias em sua casa, te levam a passear à linda aldeia  medieval de Minerve e às gargantas do rio Cesse

Texto editado a partir do texto original.
Vítor Franco

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