foto a partir do mirador do pico de Stª Catalina |
Em San
Vicente de La Barquera deixei o Caminho do Norte a Santiago, que tinha começado
em Hendaye na fronteira da França com o País Basco.
Tomei fala com
os técnicos do Parque Natural, aconselharam fugir da montanha, os trilhos do
Caminho Lebaniego estavam perigosos, a chuva caía com frequência, optar por
estrada de alcatrão, seguir pelo desfiladeiro era a opção segura.
Rio Deva |
Ainda em San
Vicente, no mosteiro franciscano de Nuestra Senhora de los Angeles, colhi a
credencial liébana e um diálogo sereno com um frade de voz pausada e agradável.
Partilhou um pouco da sua vivência, do seu rumo, e do sagrado culto à cruz no
Mosteiro de Santo Toribio de Liébana… Perguntou-me por Fátima… Não é fácil a um
ateu em peregrinação a Stº Toribio, um dos quatros lugares sagrados da igreja
católica, explicar-se como ateu. Contei-lhe que nasci ao lado de Fátima, em
Reguengo do Fetal… Acolheu com serenidade a minha consciência não religiosa
[não cheguei a contar da minha opção marxista] e entre diálogos e rumos filosóficos
a conversa tomou o rumo do rumo a seguir de bicicleta…
De manhã bem
cedo, tinha partido da linda Santillana del Mar, onde tinha pernoitado num dos
albergues do Caminho do Norte a Santiago de Compostela. Ao fim da tarde cheguei
à aldeia de La Fuente.
O albergue de
peregrinos estava despovoado de gente. Todas as portas estavam abertas; são
assim os lugares confiantes, os que serenamente recebem sem trancas nem
desconfianças.
O silêncio
entrecortado pelo vento, o canto das aves, o palrar das folhas e o cantar das
águas de um pequeno rio [que por aqui lhe dão nome de arroyo], construíam
tranquilidade. O nevoeiro cedo tomou conta do vale.
O guarda do
albergue era um jovem, talvez por uns 30 anos, tinha vindo de longe, de muito
longe, para ali chegar. Meti conversa, o seu castelhano era fluente e o
conhecimento dos Picos profundo. Pedi-lhe conselhos para o caminho vindouro.
Ele arrastava
as palavras como se cada sílaba lhe fizesse muita falta para preencher cada
minuto. Muito calmamente, o jovem búlgaro erradicado na aldeia de La Fuente
explicou-me o caminho para subir ao mirador de Stª Catalina e como chegar mais
facilmente a Potes. A explicação minuciosa incorporava tanta informação que à
medida que avançava crescia o meu receio de me perder na montanha. Pedi-lhe
para esperar e fui buscar o meu caderninho. Olhou-me calma e compreensivamente
recomeçou, repetindo pausadamente cada passo.
O jovem
convidou-me para jantar, mas o almoço de uma terrina de fabada asturiana ainda
se mantinha, agradeci com simpatia. Andava como falava, como que caminhando
naquele nevoeiro que frequentemente me acompanhava. A sua figura aparecia e
desaparecia no albergue como no nevoeiro ou nas nuvens daquelas serras altas:
silenciosa e rapidamente. Também ele tinha o seu rumo: guardador de sonhos da
mãe natureza.
Manhã cedo retomei
o meu rumo, Potes e Stº Toribio.
Potes é uma
linda vila. Dali ao mosteiro é uma “pequena” subida. O joelho esquerdo, já
inchado, queixava-se em cada pedalada. Lá cheguei. Encostei a bicicleta e
caminhei um pouco. Na igreja fui recebido por um padre que me mostrou a cruz
que se consideram sagrada por ter parte da madeira da cruz onde morreu Cristo.
Carimbei a credencial e comprei o diploma…
Stª Toribio |
Nessa noite
dormi no albergue de Potes, paguei 5, cinco, euros. Escolhi uma cama mais junto
ao rio Deva. O calmante som das águas fizeram-me recordar as conversas do dia
com o frade e o jovem búlgaro. Tinha sido um belo dia de 8 de junho. No dia
seguinte seria a subida aos Picos, nova etapa, rumo à natureza.
Vítor Franco
Crónica publica no Jornal online Mais Ribatejo, https://maisribatejo.pt/
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