sexta-feira, 30 de agosto de 2024

As democracias estão em perigo?

Foto Tiago Petinga, Agência Lusa, Lisboa

Os tempos que correm suscitam indagações.

As democracias não estão em perigo quando: i) as elites e/ou partidos do sistema, normalmente vitoriosos, começam a demonstrar atitudes autoritárias? ii) “porta-vozes” e/ou comentadores assumem profusamente críticas a um país, por exemplo: a Venezuela, mas calam-se perante outros atentados à democracia como o que está a acontecer na Hungria ou na França? iii) líderes políticos e/ou governamentais assumem posições e narrativas que normalizam as da extrema-direita, abrindo-lhes mais a porta, tornando-se a sua fotocópia a preto e branco? iv) no poder, o oportunismo [vindo de entidades ditas de esquerda ou de direita] se sobrepõe aos princípios da Democracia e da República e quando o que se diz hoje se desdiz amanhã? v) a mentira e a manipulação da informação exponenciam o ódio e o ódio se torna uma atração para a conquista de votos e apoios?

O caso venezuelano é mais um exemplo do caudilhismo autoritário sul-americano. Vários opinion makers / influencers referenciam-no como sendo um regime de esquerda porque Maduro assim se define, o que só remete para a incompreensão ou má intenção. A autodefinição de um conceito não significa a verdade. Assim, considerar Maduro como político de esquerda [ou o Partido Comunista Chinês como comunista] é um erro que só favorece a ascensão e os créditos à direita! A Venezuela vive uma tragédia que se abate sobre o povo levando a que mais de 7,1 milhões de pessoas tenham deixado ou fugido do país… Um país “rico” com as maiores reservas de petróleo do mundo

Aqui por perto, o país da esperança, “Liberté, Égalité, Fraternité” não nos faz refletir?

Compreende-se melhor o percurso francês com um olhar ao artigo da professora universitária, em Paris, a portuguesa Cristina Semblano, intitulado “O macronismo, antecâmara do fascismo”, jornal Público.
“Emmanuel Macron, promulgou em 2016 a mais neoliberal Lei do Trabalho do pós-guerra – dita El-Khomri –, sem votação no parlamento, fazendo ouvidos moucos à oposição e ao clamor da rua”. Declarou “o estado de emergência em França, cujas leis de excepção, a coberto da protecção da população contra as ameaças terroristas, foram utilizadas para restringir direitos fundamentais, entre os quais o direito de manifestação. E foi o autor da proposta, cara à extrema-direita, de retirada da nacionalidade francesa a cidadãos binacionais mesmo nascidos em França”.

Foi o mesmo Macron que, perante a esmagadora derrota do seu partido nas eleições europeias e a vitória da extrema-direita, decidiu dissolver o parlamento e convocar eleições gerais. Macron julgava que o seu partido ia voltar a ser o refúgio de todos quantos queriam impedir a vitória do partido de Marine Le Pen. Ao invés, a esquerda uniu-se construiu um programa alternativo ao neoliberalismo radical e foi a coligação de esquerda – Nova Frente Popular (NFP) – quem venceu as eleições e teve o maior número de deputados, 182.

Nestas eleições a NFP teve papel destacado liderando a concentração de apoios com a desistência de candidatos seus para outros em melhor posição – nomeadamente apoiantes de Macron – possibilitando a estes conseguirem o segundo lugar, com 168 deputados, fazendo a extrema-direita passar de mais votado [na primeira volta] para terceiro lugar com 143 eleitos.

E qual a “paga” agora de Macron? Diaboliza a esquerda depois de ter precisado e usado o apoio desta para conseguir eleger os candidatos “macronistas”, ataca-a comparando-a à extrema direita, recusa um governo de esquerda e tenta formar um governo alheio aos resultados eleitorais. Democracia, para que te quero?!

Tal como aconteceu em Portugal, Espanha, (…) Macron devia chamar a coligação mais votada a indicar o primeiro-ministro e formar governo; se depois consegue apoio parlamentar ou tem o governo viabilizado já é a fase seguinte.

A exigência de respeito pela Democracia tem de valer para todos, na Europa ou fora dela!

Vítor Franco

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

A nossa terra precisa de incentivos positivos

Imagem Depositphotos

(Para ouvir em podcast clique aqui)

O envolvimento das comunidades na construção das opções e decisões para a sua terra precisa de um incentivo positivo.

É recorrente falar-se sobre alheamento, desinteresse ou passividade face às necessidades que as pessoas e a vivência na pólis reclamam. Em termos correntes, dir-se-á que a população não quer saber de política! No entanto, continuam os atropelamentos na cidade, o lixo persiste entremeado com arbustos, as fezes de animais cujos donos ou donas carecem de educação, as descargas ilegais de lixo nas barreiras da cidade, o desrespeito pelas regras de condução e estacionamento [ao ponto de impedirem a passagem de um peão e muito menos de um carrinho de bebé], o desrespeito pelo património, a ausência popular nas assembleias municipais ou de freguesia…. Poderia juntar muitos exemplos!

Acresce, Santarém está a reforçar o “seu” papel de lugar dormitório de Lisboa com a fuga da capital de gente que não consegue suportar os preços da habitação. Esse fator convoca a reflexão sobre as consequências de uma cidade dormitório.

Posto isto, há dois caminhos que se bifurcam em duas linhas de orientação nas autarquias:

Uma procura aplicar a sua linha política apresento-a como a melhor, a gestão eficaz, a mais competente, a que melhor serve a comunidade, a que é – no fundo – a de argumentário mais fácil confortável e fácil para um autarca fazer. Porquê? Porque essa linha política assenta numa decisão unicamente de cima para baixo, ainda que seja sustentada por vitória eleitoral. Essa é a linha seguida no nosso concelho, em particular, pelas presidências da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia da Cidade.
De modo distinto, a linha que procura o exercício da cidadania, ter cidadãos e cidadãs que pensam pela sua própria cabeça, que fomenta o gosto pela terra onde se vive, a ação cívica das pessoas em prol da comunidade [consequentemente de si próprias em ação solidária e construtiva, não de um egoísmo e individualismo que critica tudo e todos a partir do seu sofá – mas nada faz], pessoas com espírito crítico que são parte da solução e não parte do problema.

O concelho de Santarém, em particular a freguesia da Cidade [que conheço muito bem], tem excelentes exemplos de cidadania e de voluntariado: é o caso das associações culturais e recreativas, clubes desportivos, comissões de moradores, comissões de festas, grupos de dadores de sangue (…) compostas por dirigentes que dão o melhor de si para um bem comum. Essa energia positiva é fundamental para Santarém ter vida própria, precisa de ser mais apoiada pelos poderes autárquicos.

Cabe perguntar: queremos que a cidadania seja amorfa, composta de pessoas que se limitam a consumir as decisões dos poderes autárquicos?

A minha linha de orientação incentiva as pessoas que criam jardins como o fazem na Rua Dr. António Maria Galhordas ou na Prof. Manuel Bernardo das Neves, que fazem limpeza de chafarizes e de ruas como fez o movimento “No coração da cidade – Santarém”, que proteja o meio ambiente ou a cultura da sua terra como fazem o movimento Movimento Ecologista Vale de Santarém ou a sua identidade como a Associação Cultural Vale de Santarém – Identidade e Memória, ou que proteja os animais incluindo os errantes abandonados por seus donos, entre muitos e tantos outros bons exemplos.

Aqui chegados, há que refletir porquê a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia da Cidade não colocaram em prática os Orçamentos Participativos aprovados respetivamente em 2021 na Assembleia Municipal e em 2020 na Assembleia de Freguesia da Cidade. É que os O.P.s são ferramentas provadas que fomentam o gosto, a responsabilidade e o compromisso com a terra onde se vive.

A nossa terra precisa de incentivos cívicos positivos, os orçamentos participativos são um exemplo.

Vítor Franco

 

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Toulouse, a cidade rosa


Esta “coisa” de escrever em tempos de férias… Não dá muito para falar de coisas sérias, se bem que as férias pagas tenham sido uma grande conquista dos trabalhadores.

Na falta de novas grandes viagens em bicicleta, não levais a mal que “faça render o peixe”, até porque abundaram as lesões e não abundou aquilo com que se compram os melões… Enfim, acrimónias minhas…

A pedido de várias famílias [conversa para fingir que foi muita gente] venho partilhar mais algumas experiências do Canal du Midi.

– Que chato! Já estou a ouvir! Bem, direi só umas breves palavras sobre Toulouse – a linda cidade rosa que me “ficou no goto” –, onde ganhei amigos franceses também apaixonados por esta “maluqueira” de pedalar kms e kms e demorar um dia a fazer o que num carro se faz em uma hora… Vamos à chegada à cidade rosa.

A chegada ao aeroporto da cidade foi fácil [há ligações lowcost], descobrir a caixa com a minha bicicleta é que não. O translator lá foi ajudando, “monsieur, mon vélo n'est pas venu?!”.  Lá eu ia insistindo com os funcionários que estavam na entrega das embalagens fora de formato. Ao princípio não me ligaram muito, então eu lancei o meu truque secreto, fiz voz mais grave, e, francofonamente, arranhei qualquer coisa a parecer: “eu sou português, venho para Toulouse andar de bicicleta e agora a bicicleta não aparece, não pode ser”!

Vocês podem não acreditar, mas a afirmação “eu sou português” é ótima para gerar simpatia, ou então para parecer um “atrapalhado”, o que é certo é que já me livrei de multas por não validar bilhetes de comboio, fui perdoado pela polícia por ter entrado em zonas proibidas [aqui tive que responder ao polícia que indagou porquê eu ter passado as fitas sinalizadoras: “Cristiano Ronaldo, sem me rir!], outras mais…

Bem, finalmente um funcionário decide ir procurar a minha caixa de bicicleta, e, por fim, lá apareceu com ela, estava num elevador disse; ele não sabia explicar porquê e eu quase não o percebia, ficámos empatados. Talvez se eu tivesse arranhado em occitano ele entendesse; eu também levava essa cábula linguística, ciclista prevenido é como pneu com líquido antifuro…

Pronto, passei à fase seguinte, montar a bicicleta: a montagem foi “supervisionada” por trabalhadores do aeroporto que iam assistindo divertidos e fumando cigarros. Tirar as proteções, colocar os ferros da tenda por baixo do quadro, cada bolsa em seu sítio, selim regulado na altura certa, volante e ângulo dos manípulos dos travões e mudanças, pedais, etc e tais…

No fim de colocar todo o lixo nos devidos recetores pedi informações aos fumadores de como chegar à cidade… Simples, “via metro de superfície, barato e bom”, ok, porreiro, chegado ao metro, lá tive de ir pedir nova ajuda” para tirar o bilhete correto a outro “descendente de Junot”. Com esta conversa toda e ainda não falei da cidade…

Saí no Palácio de Justiça e de lá dei a volta pelo centro da cidade rosa, tendo como objetivo o posto de turismo situado na belíssima torre da Capitólio.

Como é costume começou a chuviscar, S. Pedro adora receber-me assim. Num café fiquei à conversa com um casal que se interessou pela bicicleta e Portugal. Chega-se o tempo de me aproximar da casa do casal até então desconhecido e amigo warmshower... Ainda deu para espreitar a Cité de l'espace [visitei esta atração no dia seguinte] e fotografei a réplica [julgo] do Ariane.

O jovem casal, que me recebeu em sua casa, tinha feito a rota da seda em bicicleta; claro que a primeira noite foi uma maravilha de receber tão belas vivências e tão marcadas experiências.

No dia seguinte visitei a cidade. A primeira evidência que salta à vista é o excelente trabalho de ligação e usufruto popular ao rio Garona e ao canal du Midi. As pessoas usufruem de margens tratadas e frondosas, há ciclovias, atos culturais, património (…) vida! Mais uma lição para Santarém, “fui dizendo aos meus botões”.

Não vos maço com mais descrições [sugiro verem as ligações nas palavras azuis], realço ainda o centro histórico, o Museu da Resistência e da Deportação, o Convento dos Jacobins, a Catedral de Saint-Étienne e a Basílica de St. Sernin, património mundial.

Fico satisfeito se vos agucei o apetite para visitar a linda Toulouse. Se a curiosidade vos impeliu a fazer o belo canal du Midi em bicicleta, ide amigos, ide! Se precisarem de informações para planearem a vossa viagem cá estarei.

Vítor Franco

Poderá também ler e ouvir:

https://maisribatejo.pt/2021/11/06/abc-de-uma-viagem-em-bicicleta-pelo-canal-du-midi/

https://maisribatejo.pt/2021/10/02/cronica-visual-do-canal-do-midi-em-franca-a-ecovia-do-rio-tejo-video-e-podcast/

https://maisribatejo.pt/2024/08/13/cronicas-de-viagem-em-bicicleta-canal-du-midi-por-vitor-franco-c-podcast/

 

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Pós-verdade é anti-democracia, a caminho da idade média!

Créditos de imagem: em-rede.com 

Os tempos que correm trazem-nos desafios inesperados, que poderiam convocar a nossa reflexão. A comunicação de ideias e mensagens em “pós-verdade” trouxe renovados apelos ao ódio agindo em irresponsabilidade quase total perante o respeito para com pessoas e/ou comunidades. O ser humano transforma-se vulgarmente em carneiro que segue o rebanho e este segue o pastor.

Partilho este olhar:

A pós-verdade é a aceitação de uma informação por um indivíduo ou grupo de indivíduos, que presumem a legitimidade desta informação por razões pessoais, sejam preferências políticas, crenças religiosas, bagagem cultural, etc. Assim, a pós-verdade não implica necessariamente em uma mentira (tendo em vista que a informação não verificada pode ser verdadeira), mas sempre implica em uma negligência com relação a verdade.”s partiu da informação – falsa – de que o assassino das três crianças era um refugiado. Os pais sim, eram

A recente onda de violência, desencadeada pela extrema-direita inglesa, contra pessoas imigrantes e refugiada imigrantes, o jovem é simplesmente um inglês. Para os incendiários da violência basta o jovem ser negro para ser sinónimo de imigrante ou refugiado. Ora se um jovem é negro, ou refugiado, ou imigrante, o adjetivo de criminoso transmite-se a toda a comunidade e toda esta está a ser atacada.

Estas situações não são novas no mundo e muito menos em Portugal. Vejamos a matança de judeus, em Lisboa, na páscoa de 1506. Cito da Wikipédia: “historiografia situa o início da matança no Convento de São Domingos de Lisboa, no dia 19 de abril de 1506, um domingo, quando os fiéis rezavam pelo fim da seca e da peste que grassavam em Portugal, e alguém jurou ter visto no altar o rosto de Cristo iluminado — fenómeno que, para os católicos presentes, só poderia ser interpretado como uma mensagem de misericórdia do Messias — um milagre. Um cristão-novo que também participava da missa tentou explicar que esse milagre era apenas o reflexo de uma luz, mas foi calado pela multidão, que o espancou até à morte”. A partir daí todos os judeus passaram a ser os hereges culpados da peste e mais de 4000 foram assassinados em apenas três dias por multidões em fúria.

Outro exemplo, bem contemporâneo, acontece entre nós quando um dirigente político ataca toda a comunidade cigana apelidando todas essas pessoas de ladrões e afins. O mesmo faz com os imigrantes acusando-os de viverem à nossa custa [não acusa os banqueiros] – sabendo perfeitamente que está a mentir –, pois os imigrantes dão lucro ao Estado Português e estão a contribuir com mais de mil e quinhentos milhões de euros para a segurança social, ajudando assim a pagar as reformas e os apoios na saúde de todos nós.

A recente polémica acusando a pugilista argelina Imane Khelif de ser trans e disputar um combate em posição mais favorável à outra atleta feminina trouxe à opinião pública uma variedade inaudita de disparates. Dirigentes partidários e de países, deputados [incluindo Rita Matias do Chega], uma infinidade de gente que se tornou instantaneamente especialista em ADN, cromossomas X e Y, elegibilidade de género, testosterona, regras internacionais de boxe, (…), usaram a imprensa e as redes sociais para afirmar a sua ira contra uma mulher trans, afirmando ser um atentado contra as mulheres e a propagação da ideologia de género” até nas olimpíadas. Tal ira, nos e nas emissoras de opinião, tem três coisas em comum: i) pertencem ao lado extremista da direita, ii) nada fazem contra a violência doméstica que todos os anos vitimam dezenas de mulheres em Portugal e muitas milhares no mundo e iii) acusam uma pretensa “ideologia de género” para carrear ódio contra a diversidade humana, os direitos das próprias mulheres e a nossa própria democracia.

Por fim, sem qualquer assomo de petulância, será positivo que pensemos pela nossa própria cabeça, que construamos a nossa opinião fundamentando-a, que debatamos em respeito e em solidariedade – sem ódios! A pós-verdade, transformada em mentira, só cria ódio e transforma pessoas em carneiros!

Vítor Franco

REGRESSO DA GALDÉRIA

A galdéria vai para casa. O problema é que fez uma birra, quis ir num saco almofadado. A menina é exigente, uff, não é fácil aturá-la... Bem...